Adiós, D'Alessandro

Adiós, D'Alessandro

Poeta Dilan Camargo homenageia o craque colorado

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O argentino D’Alessandro encerrou sua passagem pelo Internacional no último sábado. O poeta Dilan Camargo o homenageia:

D’Alessandro dá nos nervos. 

Ele dança um tango com a sua parelha, a bola. 

Ele se embola nela. Rodopia. 

Em seguida, dá uma bronca, dribla ao revés, 

destronca as cadeiras do volante.

D’Alessandro, o Pequeno Valente, vale-se da arte do jogo. 

Reclama dos pés-de-chumbo que abrem pancadaria. 

Joga na paixão, no sangue, a morrer.

D’Alessandro não se entende. 

Afina o passe, aspira fundo, 

toca música em campo aberto. 

Toureiro em arena bruta, não ouve clarins, 

prefere a paixão de um bandoneón

apruma a estampa, arrisca o corpo,

sai sempre de camisa suada e alma lavada.

D’Alessandro entranha as manhas de jogar bola. 

Mantém o porte, sem vaidade ou pose. 

Leva para campo suas pernas finas e sua dignidade forte. 

Joga como vive. Faz viver a esperança do gol. 

A vitória não é lábia, é obrigação moral. 

Luta de peito aberto por seu nome 

e por sua camiseta, seu símbolo de labor, 

pela bandeira que consagra o seu talento.

D’Alessandro se garante. Entra inteiro em campo. 

Torna-se ainda mais amplo, segurando as pontas, 

com as chuteiras bravas, o coração pulsante. 

Ele nunca sai de campo. Mesmo quando dorme, 

sonha que é um peixe vermelho, 

que nada nas sagradas águas do Beira-Rio.

D’Alessandro tem pés gigantes. Anda e anda 

sobe e desce as montanhas de um campo de futebol, 

flana, inflama a relva. Assanha o jogo, 

põe zagueiros em transe, assobia coplas, 

arranha a grande área, apaga a cal dos postes, 

planta a flor do gol na marca do pênalti.

D’Alessandro é um guri, é um grão senhor. 

Sim, senhor!

Um sério brincador, ele se entrega e se consome

na alegria e na peleja de um parque de diversões, 

em busca do sonho, do ato lúdico, 

na cena de sagração da vitória. 

Gladiador e infante, ele enfrenta, ele encanta.

D’Alessandro é um maestro, um marchador. 

Compõe a melodia, mostra o compasso, 

rege a doçura e a fúria. 

Desliza no salão, se rebenta pelo chão. 

Vai na frente, faz rufar tambores, 

exalta ao combate, aponta o lance, dispara a flecha.

Abre-se em mesuras, rasga as partituras, 

sopra no trombone, solta todos os nomes, 

só canta a nossa canção.

D’Alessandro não é santo, não é anjo. 

É um homem, um jogador, 

com todo o drama da circunstância. 

Suporta o peso de cada instante. 

Quando está perdendo, 

corre mais que o tempo, mede a distância do gol, 

faz acordos com o vento, chuta em pensamento. 

Decide o jogo num relâmpago.

D’Alessandro é um passador, um passeador. 

Passa a bola, passeia na linha da imaginação. 

Passa e passeia, 

um Chaplin

com uma bola nos pés. 

Ele joga por nós.

 


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