Ainda os corruptos de estimação

Ainda os corruptos de estimação

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Santo de casa não faz estrago. Ou faz isso sob condições. A expressão “corruptos de estimação”, que criei aqui nesta coluna e depois usei como título para meu livro sobre a roubalheira dos últimos anos no Brasil e o golpe apelidado de impeachment de 2016, faz sucesso. A autoria nunca é reconhecida. Faz parte do jogo. Ninguém fica procurando a autoria das melhorias piadas ou dos memes mais divertidos. Só estrela de futebol é que patenteia os seus bordões. Eu estava em Paris, numa reunião de sociólogos, quando alguém perguntou: quantos políticos foram expulsos dos partidos brasileiros por corrupção depois da operação Lava Jato?

Responda rápido, leitor. O mais provável é que a resposta seja curta e grossa: nenhum. O petista Antônio Palocci foi dispensado por traição. O esquema é mais ou menos assim: primeiro se esperava uma acusação formal para expulsar; depois, uma condenação; finalmente, nada é suficiente. O PT, na sua fase original, cobrava expulsões de todo mundo. Perdida a inocência, passou a ser cobrado pelo PSDB, que se renegou muitas vezes quando Aécio Neves foi atropelado por uma montanha de provas. O DEM jurava ser diferente e até ousou algum desligamento no passado. Nada, porém, que pudesse atingir alguma cabeça altamente coroada como a do senador José Agripino Maia, réu no STF por lavagem de dinheiro, corrupção e uso de documentos falsos.

O PMDB expulsou Eduardo Cunha, Sérgio Cabral e Henrique Eduardo Alves? Prisão não quer dizer muita coisa em tempos de mudança de imaginário. Lula está preso, lidera as pesquisas de intenção de voto e é o candidato inarredável do PT à presidência da República. Praticamente todos os ministros de Michel Temer foram acusados de algum ilícito. Ele nunca se abalou. Alguns saíram. Outros ficaram. Especula-se que quando o ano acabar, Temer e seus ministros mais próximos tenham de dar explicações em Curitiba. Toda essa introdução para chegar finalmente no ponto. O que precisa acontecer para um partido expulsar um dos seus corruptos de estimação? Trânsito em julgado? O PP nem assim se livrou do longevo Paulo Maluf.

O PMDB expulsou a senadora Kátia Abreu. Ela andava dizendo verdades sobre a sigla. Num arroubo poético chamou o presidente Romero Jucá de "canalha", "crápula do Brasil" e "ladrão de vidas e almas alheias". Pegou pesado com um luminar da agremiação, um homem que só queria, pelo bem do país, “estancar a sangria da Lava Jato”, com “STF com tudo”. Kátia dançou. Outro que qualquer dia poderá ser demitido é o senador paranaense Roberto Requião. Ele peca por ser linguarudo. Fala mal do PMDB em Esfera Pública. Detona o entreguismo de Temer.

Ficamos assim: corrupção não dá expulsão. O que pega mal mesmo é ser infiel, desleal, delator e sincero demais. Nunca uma definição se mostrou tão exaustiva e rigorosa: cada partido tem seus corruptos de estimação. Alguns, em busca de originalidade, falam em “bandidos de estimação” e até em desonestos de estimação. Rouba-se tudo no Brasil. A origem é a mesma. A procedência intelectual não muda. Ou será que expulsaram um monte de gente e nem fiquei sabendo? Resta esta questão berrando em cada esquina: o eleitor tem corrupto de estimação?

 

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