Ainda sobre professores

Ainda sobre professores

Pequenas vantagens tratadas como grandes privilégios

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 Talvez eu seja corporativista sem me dar conta. Para mim, os professores representam o que há de mais importante na sociedade. Especialmente os professores de ensino fundamental e médio. Fico pensando nesses heróis que ensinam em escolas públicas, em zonas sensíveis, enfrentando todas as dificuldades. Confesso que me emociono. Sou simplório. Nunca pude entender que juízes recebendo auxílio-moradia determinassem o despejo de gente sem teto de prédios públicos inúteis, que, liberados dos incômodos ocupantes, permanecem vazios. Sou simplista. Entendo que falte dinheiro ao Estado. Vamos cortar nos altos ganhos dos magistrados, do legislativo, do MP?

      Não. Claro que não. A arquitetura institucional não permite. A independência dos poderes não autoriza. Vamos cortar nos parcos ganhos de professores. Advogados públicos receberão “honorários de sucumbência”, prêmio pela realização exitosa do trabalho para o qual são pagos com nossos impostos. Se perderem as causas, contudo, não pagarão as custas. A vitória é deles. A derrota, nossa. A magistratura concedeu-se mais de 16% de aumento sem pedir a opinião do legislativo. Mas não repassou o mimo para os funcionários do judiciário. Helenir Schurer, presidente do CPERS, diz que atualmente, entre a entrada e a saída de um professor da carreira, percorridos todos os degraus, com todas as capacitações, pode-se ter uma diferença de cem por cento. Com a reforma proposta pelo governo, cairia para sete por cento.

      A lógica faz chorar. A sociedade precisa de muitos professores. Então paga mal. Como precisa de menos magistrados, pode pagá-los muito bem. Quando a crise nos cofres públicos tudo devasta, a magistratura ganha aumento. Já professores e policiais são chamados a aceitar mudanças em planos de carreira que os farão ganhar menos. O governo diz que não haverá perda de direitos adquiridos. Mas não poupará expectativas de direito. Esse jogo de palavras significa que o já ganho fica confirmado. O previsto em contrato (normas vigentes) não será poupado. Sou primário. Como pode multinacional ter refresco em impostos? Ah, é para criar empregos? Somos reféns do sistema. A União acabou com o ICMS de exportações, prometeu ressarcir os Estados pela tal lei Kandir, não o fez na medida do comprometido, mas falar disso é utopia, disparate, demagogia, ilusão, politicagem, mistificação.

      Neste dia dos professores, mais um passado na penúria dos salários atrasados, eu me compadeço dessa categoria maltratada pela engrenagem. A culpa é do Montesquieu. Só pode. Foi ele quem separou os poderes assim. O paradoxo dos togados é este: mesmo que abrissem mão de tudo o que ganham, de todo o orçamento do judiciário, a crise não seria amainada. Portanto, como não alteram o quadro catastrófico, podem ganhar muito sem culpa na base do “é legal, quero o meu”.  Parece que existe um fundo de reaparelhamento do judiciário com um bilhão. Intocável. Guardado para palácios de mármore e vidro, imagino. Os canibais do Estado são os professores com seus imensos privilégios.


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