Albert Camus, por um jornalismo irônico

Albert Camus, por um jornalismo irônico

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Camus, o estrangeiro



Como diz a fórmula consagrada (e essa já é também uma fórmula consagrada), Albert Camus, se vivo fosse, faria cem anos de idade hoje. Em 1939, ele teve censurado um texto intitulado “os quatro pilares da imprensa livre”. Aquele que seria um dos maiores escritores franceses de todos os tempos, Nobel de Literatura de 1957, manteve-se estrangeiro nos territórios do ideologismo intelectual que não poupou seu rival, Jean-Paul Sartre. Um jornalista livre para Camus deveria escrever escorado na lucidez, na ironia, na capacidade de dizer não, de estabelecer certas recusas, e na obstinação.

Em 2014, é tudo que um jornalista precisa.

Se não for lúcido, um jornalista de hoje cairá facilmente nas tantas armadilhas ideológicas da mídia dominante. O primeiro ardil é uma jogada radicalmente de direita, a de que não existiriam mais direita e esquerda. Camus ensinou: “A lucidez pressupõe a resistência aos movimentos do ódio e ao culto da fatalidade”. Esse fatalismo traduz-se no famoso “sempre foi assim”. Os Estados Unidos espionam o mundo? Qual o problema pergunta o fatalista ideológico por conveniência. E declara-se realista. Todos os que pensam o contrário passam a ser idealistas, sonhadores, irrealistas e até fantasiosos.

Dizer não é um saber e um poder. Camus explica: “Em face da maré de besteiras, é preciso igualmente opor algumas recusas. Nenhuma das limitações do mundo leva um espírito um pouco limpo a aceitar ser desonesto”. A honestidade intelectual implica enfrentar o rebanho e jamais mudar de opinião, sem convicção, apenas por estratégia. Na maior parte das vezes, os profissionais de opinião, no Brasil, defendem um ponto de vista não por acreditar nele especificamente, mas pelo efeito que provocará em relação a este ou aquele ator social. A corrupção, por exemplo, mal que precisa ser combatido e extirpado, é quase sempre um pretexto para o combate ao adversário ideológico, não pelos seus muitos erros, pelos seus poucos acertos. Só a corrupção do outro interessa.

Um jornalista precisa da ironia para driblar a censura. Diz Camus: “Podemos estabelecer que, em princípio, um espírito que tem gosto e os meios para impor limitações é impermeável à ironia”. Daí a conclusão: “A ironia permanece como uma arma sem precedentes contra os poderosos demais. Ela completa a recusa na medida em que permite não rejeitar o que é falso, mas muitas vezes dizer o que é verdadeiro”. Os maiores defensores dos Estados Unidos atacam ferozmente a presidente argentina Cristina Kirchner por lutar pela adoção da  “lei dos meios”, um mecanismo de desconcentração da mídia, antimonopolista, inspirado na legislação norte-americana. Neste caso, o que é bom para os Estados Unidos não é bom para a Argentina. E o Brasil?

Sem perseverança, nesta selva habitada por serpentes e monstros de todos os tipos e tamanhos, o jornalista sucumbe. Camus sustenta: “Não são poucos os obstáculos à liberdade de expressão. Não são os mais graves deles que poderão desencorajar um espírito”. O grande problema é a imbecilidade: “É preciso reconhecer, porém, que há obstáculos desencorajadores: a constância na tolice, a covardia organizada, a ininteligência agressiva”.

Eis!

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