Alberto, o homem que renascia

Alberto, o homem que renascia

Crônica sobre uma vida de superação

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      Há pessoas que morrem muitas vezes diante dos olhos de todos. Morrem e renascem para morrer de novo. Não podem, porém, reclamar de tantas mortes para não parecer que se vangloriam. Quando Alberto morreu pela primeira vez era ainda um adolescente. Foi morto por ter perdido um prazo. Depois morreu muitas vezes por não corresponder às expectativas. Havia um modelo a ser seguido e ele andava na contramão. Adulto, foi morto por ter criticado um ícone. Ressurgiu quando todos o davam por enterrado. Alguém chegou a dizer que melhor teria sido incinerá-lo. Os métodos de cremação ainda eram pouco desenvolvidos.

      Morreu pela direita, pela esquerda e pelo centro. Morreu por ter sido formado na escola da independência e por não poder ser militante de corrente alguma. Recusava-se a pertencer a quem quer que fosse. Dedicava-se a rir de contradições e paradoxos, que é como cada um chama as suas incongruências. Nas suas múltiplas vidas sempre esteve do outro lado do rio. Quando todos acreditavam na objetividade, defendia que havia um déficit de subjetividade. Quando a onda virou e declararam a objetividade impossível, passou a denunciar um superfaturamento da subjetividade. Os velhos proprietários dos campos nunca o reconheceram como um expoente e, se dependesse deles, nunca teria passado de aprendiz. Tinha, contudo, uma incrível capacidade de furar os bloqueios, pular cercas e ressurgir em lugares inesperados.

      Os desafiantes o queriam como instrumento de doutrinação. Ele não cabia no figurino. Transbordava, transgredia, nada prometia a quem quer que seja e reaparecia livre e solto contrariando dogmas e novos ou velhos discursos. Era chamado de conservador por uns, de radical por outros, ninguém ficava contente por muito tempo. Morria em prosa, renascia na poesia, até ser assassinado novamente em praça pública por ser infiel sem nunca ter aderido a qualquer narrativa. Quando a modernidade executava os dissidentes, declarou-se pós-moderno. Quando a pós-modernidade virou canônica, fugiu para a hipermodernidade. Quando esta se tornou mero pleonasmo, refugiou-se aquém e além dos prefixos, na solidão patafísica da ironia e da liberdade etérea.

      Matavam-no quando concorria com a melhor arte e não chegava sequer entre os finalistas. Então, matava-se não concorrendo mais. Quando o atacavam frontalmente, sorria, pois achava elegante morrer sem escândalo. Matavam-no quando o tratavam com condescendência, quando tentavam tutelá-lo, quando o elogiavam como se faz com um incapaz. Blindava-se para as próximas mortes, mas morria novamente em silêncio para não ferir a sensibilidade frágil dos agressores. Aprendera que toda crítica é incontestável sob pena de se receber o golpe fatal, a pecha de não aceitar crítica. A sua vingança era renascer. Sabia que um dia morreria para sempre. Possivelmente nas redes sociais, onde se pertence a uma tribo ou se morre asfixiado.

      Morria ao constatar que não queriam ouvir o que ele pensava, mas que o ouviam para que dissesse o que os ouvintes pensavam. Renascia a cada manhã de sol depois de morrer de insônia escrevendo ficção.


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