Ameaça populista na França

Ameaça populista na França

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Eleições francesa

Estou na França. Aproveito para conversar com meus amigos sobre política local. Há três cosias que não deixo de fazer em território francês: comer confit de canard, visitar livrarias e falar de política. Em abril (primeiro turno) e em maio (segundo turno) os franceses irão às urnas escolher um novo presidente da República. As candidaturas mais esperadas não decolaram. A impopularidade do atual presidente, o socialista François Hollande, conhecido como Chuchu, não lhe permitiu sequer concorrer. O candidato dos Republicanos (direita) mais cotado era o velho de guerra Alain Juppé, prefeito de Bordeaux desde o século passado. Ele foi atropelado pelo ex-primeiro ministro François Fillon, que agora vê sua aventura naufragar por que sua mulher foi funcionária pública fantasma com um alto salário.

A esquerda viu o quase desconhecido mundialmente Benoît Hamon desbancar Manuel Valls. Hamon é jovem, nasceu em 1967, e quer reinventar a socialdemocracia e combater as políticas europeias de austeridade. À sua esquerda corre Jean-Luc Mélenchon, apelidado de Che Guevara das redes sociais. Hamon ainda tenta se aliar com Mélenchon, que exige uma ruptura com os ministros de Hollande signatários da reforma da legislação trabalhista. A guerra está declarada. Por fora, alça voo outro jovem, Emmanuel Macron, ex-ministro de Hollande, pelo movimento “Caminhando”, que se apresenta como nem de centro, nem de direita, nem de esquerda. Ele tem 39 anos e é casado com sua ex-professora, de 60 anos. Filósofo e banqueiro, Macron gosta de uma boa polêmica. Disse que a colonização do norte de África pela França produziu continuados crimes contra a humanidade. Falou a verdade. Mas como a verdade dói, caiu nas pesquisas.

A grande ameaça – o Donald Trump ou o Jair Bolsonaro francês – chama-se Marine Le Pen, candidata da Frente Nacional, de extrema-direita. Bem posicionada nas pesquisas, fazendo o que pode para se distanciar do antissemitismo do seu pai, Jean-Marie, ela tem tudo para figurar no segundo turno das eleições. O seu programa é simples ou simplório, o que o torna bastante sedutor: romper com a União Europeia, fechar as fronteiras, combater a imigração, valorizar a cultura francesa, voltar ao estado-nação, sair do euro. Esse populismo de direita, termo que designa os interesses mais elitistas e conservadores com apoio da massa mais ignara, está na moda, vai crescer e faz estragos duradouros.

Se Marine Le Pen for ao segundo turno, socialistas e republicanos (direita e esquerda considerados democráticos) se unirão pela salvação nacional. Na França, ao contrário do Brasil, ainda existe um tabu, uma linha intransponível, um limite. Imaginemos a seguinte situação no Brasil: um segundo turno entre Lula e Bolsonaro. Em quem os eleitores e os políticos do DEM, PP, parte do PMDB e PSDB votariam? Precisa dizer? Franceses acreditam no tabu do incesto, no papel civilizador do Estado e na importância de reduzir as desigualdades para ter mais justiça social e menos violência. Falam “ordinateur”, não computador ou algo com essa raiz. Dizem “souris”, não mouse. Têm ideias próprias.

Uns anacrônicos. Onde já se viu?

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