Amor ao trabalho

Amor ao trabalho

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Comecei a trabalhar com dez anos incompletos. Minha tarefa, no armazém do Seu Ibarra, em Santana do Livramento, era fazer a recorrida dos clientes anotando suas encomendas, que seriam levadas por meus colegas mais velhos e mais fortes. Aos 14 anos, eu já era dono de banca de revista, mais do que micro, mini-empresário. Nas férias, tropeava com meu pai para juntar dinheiro. Tive muito êxito como plantador e vendedor de melancias à beira da BR-158. O trabalho sempre me fascinou. O trabalhador sempre foi o ídolo principal no meu panteão.

Resolvi ganhar o mundo armado com uma convicção: só estudar abre espaço. Fiz graduação em Jornalismo e em História. Entrei e saí do Direito. Cursei antropologia. Fiz doutorado, na Sorbonne, em Sociologia. Ganhei bolsa para curso em Berlim. Hoje, leciono na PUCRS e sou convidado como visitante em Montpellier e na Sorbonne (Paris IV). Tudo pelo trabalho. Não me gabo. Descrevo. Agradeço aos meus pais que me ensinaram a fé no estudo e no trabalho.

Nunca nos indicaram qualquer outro caminho.

Na caminhada, tenho pensado sobre como a humanidade se organiza. Jamais consegui admirar o comunismo. Nem o capitalismo. Nunca tive partido. Sou um elétron desgovernado, um radical livre. As experiências do dito socialismo real sempre me apavoraram. O capitalismo me deixa perplexo. Em ambos, o trabalhador é vítima. A estabilidade total no emprego cria situações de absoluta falta de ambição e de interesse. A instabilidade no emprego cria doenças, injustiças e tragédias pessoais. O capital, dizem os entendidos, foge do risco. O trabalhador é estimulado a acreditar que correr riscos é uma benção. Só cooperação é utopia. Só competição é inferno. O regime de metas de certas empresas é tortura.

Ainda não inventamos um modelo equilibrado, duradouro, justo e realmente eficiente de proteção ao trabalhador e de valorização máxima do trabalho. O menos pior que apareceu é a socialdemocracia. Mas muitos são também os seus defeitos e limites. Um deles é a concorrência desleal que sofre de países onde a produção é mais barata em função da precariedade dos direitos trabalhistas. O aspecto que mais me horroriza no capitalismo brasileiro é que quando um trabalhador da iniciativa privada adoece, depois de míseros dias, fica a cargo do INSS. Seu salário encolhe. A aposentadoria é outro problema. A maioria ganha pouco ao longo da vida. O final da existência será ainda mais penoso. Melancólico.

Nem comunismo nem capitalismo me emocionam. Cada qual com seus horrores e com suas ilusões. O capitalismo é ótimo para os ricos. O comunismo é excelente para os donos do poder. Essa é a minha marca: desagradar a todos. Receberei mensagens furiosas de comunistas e de liberais. Todos me chamarão de injusto, ignorante e canalha. Os liberais dirão que sou comunista. Os comunistas dirão que sou liberal. A vida não pode se resumir ao trabalho. No Brasil, a jornada semanal precisa diminuir. O fator previdenciário é um mal a ser extirpado. O dia de trabalhador me deixa otimista e pessimista. Otimista: já foi pior. Pessimista: ainda é muito ruim. Sinto muito.

 

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