Amor e ódio na internet e na vida

Amor e ódio na internet e na vida

Extremismo devasta a Espanha

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      O amor está fora de moda. Nas redes sociais só o ódio faz sucesso. Dificilmente alguma coisa equilibrada conquista a atenção do mundo virtual. Na Espanha, uma maluca de 18 anos, Isabel Medina, declara-se “nacional-socialista e fascista”, mas “nunca me definiria como uma nazista”, e discursa numa manifestação: “O inimigo sempre vai ser o mesmo, ainda que com distintas máscaras: o judeu. Porque não há nada mais certeiro do que esta afirmação: o judeu é o culpado”. Para ela, o feminismo avilta a mulher, imigrante é lixo e mestiçagem é ruim. Antiglobalista, diz ser ouvinte de Wagner, leitora de Nietzsche e Heráclito e estudante de história. Ela tem como projeto de vida: escrever um livro na prisão. Mas está solta. Celebridade, “quebrou” a internet. Parece que deu mais de um bilhão de acessos rapidinhos.

      O rapper espanhol Pablo Hasél está preso. Foi capturado dentro de um prédio de Universidade de Lérida. Depois disso, manifestações em sua defesa aconteceram em vários lugares. Ele chama o ex-rei da Espanha, Juan Carlos, que saiu do país depois de acusado de roubalheira, de ladrão. Policiais são rotulados de “mercenários de merda”. Hasél já pregou a morte da família real. A Espanha está dividida. A pena de nove meses ao rapper é vista por muitos como desproporcional. O problema das redes sociais é que nelas ninguém fica famoso sendo sensato. Glorificar o terrorismo dá mais likes. A galera das redes gosta de pegada, fúria, atitude e xingamentos. Claro, tem quem curta receitas, games e autoajuda. Quando a palavra ideias surge, o pensamento se esvazia. Ser razoável significa morno ou até bege.

      Não gosto de monarquia. É um conceito incompatível com a racionalidade moderna. Ninguém poderia herdar cargo público. Os métodos de Hasél, porém, não me encantam. Para me acalmar, leio Michel de Montaigne: “Não tenho sentimento de ódio nem de profunda afeição pelos grandes; minha vontade não é influenciada nem pelo mau tratamento que me reservem nem pelas obrigações pessoais porventura contraídas. Dedico a nossos reis a fidelidade que lhes devo como cidadão. Não os procuro nem deles fujo por interesse pessoal. Quanto à causa que a maioria apoia e me parece justa, aplaudo-a com moderação. Ela não me apaixona. Não lhe hipoteco toda a minha razão e a minha alma. A cólera e ódio não têm a ver com a justiça. São paixões a que somente podem entregar-se aqueles que não sabem obedecer serenamente à razão e ao dever, porque ‘só quem não domina a sua razão se abandona aos impulsos desordenados da alma’”. A frase final é de Cícero.

      Montaigne fracassaria nas redes sociais. Seria chamado de chato. Perderia em curtidas para Isabel Medina e Pablo Hasél. Em tempos de reality shows, o show não é realidade, mas a sua exacerbação. Quando todos falam, só é ouvido quem grita. A busca pelo diferencial produz uma uniformização: quem não for estridente não se faz escutar. Quanto menos se tem a dizer, maior a probabilidade de se fazer ouvir. É que a estupidez pode ser vocalizada e entendida com economia de palavras.


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