As livrarias de Paris me deixam com fome

As livrarias de Paris me deixam com fome

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Nos últimos 24 anos, morei quase seis em Paris.

Não fiquei um só dos outros anos sem vir uma, duas ou até três vez à França.

Não se trata de esnobismo ou de achar que os franceses são os melhores do mundo.

Venho a trabalho mesmo.

Claro que acabei por ter meus itinerários, meus gostos e minhas manias.

Sempre me hospedo no Quartier Latin.

Sempre passeio no Jardim de Luxemburgo.

Sempre trago a Cláudia comigo.

Sempre faço uma ronda pelas livrarias.

É verão em Paris. Mas está chovendo e com temperatura amena.

A festa da música fez do domingo um grande concerto a céu aberto.

Esta segunda-feira tem algo de melancólico e de promissor.

Comprei um livro intitulado "Os parisienses são piores do que se crê", de Louis-Bernard Robitaille.

Nada como uma boa dose de ironia para começar.

Os franceses estão preocupados com a saída da Grécia da União Europeia, com o avanço da imigração e com a guerra na educação entre o princípio republicano da laicidade e o respeito às diferença e minorias que prega mais abertura às religiões.

Os franceses sempre estão preocupados.

– A coisa vai de mal a pior – me diz um.

– Chegamos ao fundo do poço – me diz outro.

Ando pelas ruas e, como sempre, me farto de beleza: rosas atrás da Notre-Dame, árvores cobertas de folhas em Saint-Michel, cafés abarrotados de turistas, gurias lindas de bicicleta com vestidos floridos e pernas de fora. Jornais com manchetes terríveis.

Para onde vai a França?

Não sei.

Olho as águas do Sena correm e já me basta.

O verão traz a alegria das tristezas passadas.

Janto na casa de um escritor.

Ele me diz: Já é suficiente. Já basta. Um bom título para sua autobiografia.

Como coxa de pato olhando as pessoas na rua. Para onde elas vão?

Leio os jornais com o cinismo de velho cansado de tanto ver o mundo girar.

Mergulho na livraria Gibert.

A fartura de livros me deixa vazio. Nunca lerei tudo. Nunca lerei quase nada do tudo que me sufoca e deslumbra.

Michel Maffesoli fala do conformismo dos intelectuais. Michel Foucault, em palestra, enfim, publicada define o que é crítica. Um homem fala sobre os novos reacionários. Outro afirma que a esquerda está à beira do abismo. As revistas garantem que a direita está contra o ex-presidente Nicolas Sarkozy, que pretende ser candidato na próxima eleição presidencial. Eterno retorno dos mesmos.

As livrarias me dão fome.

Fome de leitura, de passado, de juventude, de cultura e de esperanças.

Para onde estou indo?

Para onde sempre vou: o caixa das livrarias.

 


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