Até Alberto Dines apoiou o golpe de 1964

Até Alberto Dines apoiou o golpe de 1964

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Historiador tem o triste papel de fazer emergir o passado.

Em "Jango, a vida e a morte no exílio", trago à tona o que tempo escondeu.

Por exemplo, o lamentável papel da imprensa no apoio aos militares. Pode-se dizer que essa submissão da mídia vem sendo desmascarada. Os editoriais dos grandes jornais são conhecidos e citados. Mas alguns personagens marcantes do jornalismo atual continuam a brilhar como resistentes sem que se fale de como se comportaram no momento em que os coturnos dos militares marcharam sobre o governo de Jango. Um pouco de desconstrução não faz mal a ninguém. Segue um trecho do meu livro:



"O Ford azul é uma bola amarela sob o sol da campanha. Em que pensa Jango? Pensa na baixeza de um jurista renomado rastejando ideologicamente para júbilo do “Jornal do Brasil” num elogio ao estupro: “Pontes de Miranda diz que Forças Armadas violaram a Constituição para poder salvá-la!”? Pensa na traição do Congresso autorizando o ato institucional de 9 de abril? Pensa no “Estado de Minas”, porta-voz do golpe urdido pelo governador mineiro Magalhães Pinto, vomitando contentamento, “feliz a nação que pode contar com corporações militares de tão altos índices cívicos”, convertendo os traidores em traídos, “os militares não deverão ensarilhar suas armas antes que emudeçam as vozes da corrupção e da traição à pátria”? Pensa no “Estado de S. Paulo” dizendo que a população não se vergará às imposições do caudilho? Pensa nessa imprensa que manipulou a classe média e depois saudou as suas manifestações como se fossem espontâneas: “Multidões em júbilo na Praça da Liberdade. Ovacionados o governador do estado e chefes militares”, segundo “O Estado de Minas”. “A população de Copacabana saiu às ruas, em verdadeiro carnaval, saudando as tropas do Exército. Chuvas de papéis picados caíam das janelas dos edifícios enquanto o povo dava vazão, nas ruas, ao seu contentamento”, conforme “O Dia”? Pensa no “Correio Braziliense” chafurdando na bajulação ao ditador: “O ato de posse do presidente Castelo Branco revestiu-se do mais alto sentido democrático, tal o apoio que obteve”? O horror!

É impossível que se lembre literalmente de tudo isso? Provavelmente. Talvez não pense nisso enquanto se aproxima da cidadezinha de Mercedes. Seria triste lembrar de editoriais exumados, décadas depois, pela jornalista Cristiane Costa. Lembrar que, se a “Tribuna da Imprensa” passou logo para a oposição e o “Correio da Manhã” pereceu na resistência, o “Jornal do Brasil”, em 31 de março de 1973, continuava exultando: “Vive o País, há nove anos, um desses períodos férteis em programas e inspirações, graças à transposição do desejo para a vontade de crescer e afirmar-se. Negue-se tudo a essa revolução brasileira, menos que ela não moveu o País, com o apoio de todas as classes representativas, numa direção que já a destaca entre as nações com parcela maior de responsabilidades”. O jornal “O Globo”, em 7 de outubro de 1984, mantinha-se coerente e desavergonhado, fazendo seu “julgamento da revolução” com assinatura de Roberto Marinho, o homem que mais ganhou com o golpe militar: “Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada”.

Terá Jango prestado atenção a um livro publicado ainda em 1964, “Os idos de março e a queda em abril”, no qual o jornalista Alberto Dines, que depois seria visto como um ícone da luta contra a ditadura no resistente “Jornal do Brasil”, chafurdava em elogios aos golpistas?: “Golpe ou contragolpe? Minas marcha contra Goulart. Enfim, apareceu um homem para dar o primeiro passo. Este homem é o mais tranquilo, o mais sereno de todos os que estão na cena política. Magalhães Pinto, sem muitos arroubos, redimiu os brasileiros da pecha de impotentes.”

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