Autógrafos no Brique e outdoor

Autógrafos no Brique e outdoor

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Livros, dinossauros e outdoorjuremirfacebook

 

      Livros e dinossauros pertencem à mesma espécie. Os dinossauros já se foram. Os livros resistem. Até quando? Talvez, seguindo a lógica do filósofo Jean Baudrillard, os livros desapareçam por excesso. Na época da auto-publicação, todo mundo será autor. Ninguém será lido. O livro morrerá por multiplicação viral. Enquanto isso não acontece, autores rastaqueras como eu lutam contra moinhos de vento. Botam o pé na rua para encontrar os leitores. Eu estou nas redes sociais. Posto no facebook e no twitter. Sou blogueiro. E também youtuber. Um fenômeno das novas mídias. Mas gosto das velhas também. Já tive um vídeo com 27 acessos. Devo chegar aos 50 ainda neste ano.

Tive uma ideia. Vivo tendo ideias. Sou um perigo. Decidi realizar um sonho e ter meu outdoor. Eu me encantei com o outdoor situado na saída do túnel, em Porto Alegre, no sentido centro-bairro. Ao longo dos anos, passando duas vezes por dia nesse lugar, vi todo tipo de cartaz. Resolvi estampar ali a capa do meu livro Corruptos de estimação, com minha foto e o convite para uma sessão de autógrafos, neste domingo, a partir das 11 horas, na banca do Zé, no Brique da Redenção, bem pertinho da João Pessoa. Venci alguns obstáculos até concretizar o projeto. Sempre me diziam que era muito caro. Alguns quase me insultavam com algo do tipo “tu, com outdoor, que abuso”.

Insisti. Estou bonito na foto. Paguei do meu bolso. Como dizia Candoca, o filósofo de Palomas, “mais um vale um gosto do que dois desgostos”. Volto ao Brique da Redenção com cinco livros de R$ 10 a R$ 25 (tenho de pagar o outdoor): Getúlio, Jango, História regional da infâmia: o destino dos negros farrapos e outras iniquidades brasileiras, 1964, golpe midiático-civil-militar e o novíssimo Corruptos de estimação. Volto porque na minha sessão no Brique faltou livro. Volto por teimosia. Volto por paixão. Volto por meu outdoor. Vou contar o que aconteceu. Eu esperava muito do meu golpe (opa!) de marketing. Eu já me via ombreando com Paulo Coelho e Galvão Bueno.

A meu ver, é o outdoor mais bem-posicionado da cidade. Todo mundo, em algum momento, passa por ali. Eu aguardava muitos comentários. Achava até que ficaria famoso a bom preço. Passaram os dias e não ouvi um só comentário a respeito do meu belo outdoor. Estava preparado para ouvir gurias sorridentes falando coisas assim:

– Lindão na foto, hein, Sor!

Nada. Silêncio absoluto. Comecei a me angustiar. Ansiava por escutar minhas velhinhas leitoras se esbaldando nas ruas do Bom Fim:

– Que pão no outdoor, hein!

Nada vezes nada. Comecei a pegar o ônibus só para passar na frente do outdoor. Ficava de olho no vizinho de banco. Contava com o trânsito lento para o ônibus parar quase na frente do cartaz. Mesmo assim, para meu espanto, as pessoas olhavam e não viam minha obra. Tive de me controlar para não fazer discurso contra tamanha indiferença. Bradei silenciosamente contra a saturação de imagens na paisagem urbana. Mantive a dignidade por algum tempo. Por fim, aceitei me humilhar. Um dia, não resisti e perguntei ao taxista:

– Viu meu outdoor?

– Não, não vi.

Quase voltei para a terapia. Pensei em tomar um Rivotril para relaxar. Fui mais ao fundo do poço. Rastejei. Implorei por um comentário. No ônibus, numa manhã ensolarada, puxei conversa com a jovem sentada ao meu lado, uma estudante da Universidade Federal:

– Está vendo ali?

– O quê?

– Ali, bem ali.

– Não vejo nada. De que o senhor está falando?

A moça baixou os olhos e mergulhou no celular com um sorriso de piedade. Meu outdoor ficou para trás como uma sombra melancólica na solidão da metrópole com suas multidões apressadas. Quase derramei uma lágrima. Às margens da avenida eu quase sentei e chorei por meu outdoor ignorado. Não deu tempo. O ônibus avançou. Fotografei meu outdoor e comecei a mostrá-lo para amigos, que reagiram com o mesmo entusiasmo dedicado às sessões de slides de antigamente quando alguém voltava de uma viagem ao paraíso e se mostrava com a Torre Eiffel ou um elefante às costas para sua própria surpresa e estremecimento.

– Ah, é! – bocejavam meus amigos.

Aí, nessa queda livre moral, veio o baque, a estocada fatal, o golpe dentro do golpe, o toque decisivo abaixo da linha da cintura:

– Outdoor é coisa de velho! – me disse uma pessoa que não nominarei.

– Que nada! Nem velho se interessa mais por outdoor! – disse outro.

Eis a minha triste e inesquecível história com um outdoor vermelho como a capa da Chapeuzinho. Abatido, quase derrotado, ferido na minha autoestima, com alma de autor no Z-4, tomei uma decisão radical. Quem for ao meu lançamento no Brique, neste primeiro domingo de setembro, e comprar um livro, ganhará Getúlio de presente se mostrar no celular uma foto do meu outdoor. Os dinossauros desapareceram. Os livros agonizam enquanto se multiplicam. Meu outdoor é um fóssil à espera de um arqueólogo. Meus livros também.

*

Quem levar uma foto no celular do meu outdoor e comprar um livro ganhará outro.

 

 

     

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