babacas, machistas e reacionários

babacas, machistas e reacionários

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Vertigens mundiais

 

      Como dizia o outro, o tempo não para. É verdade que ele nos parece cada vez mais novo. Paradoxo, paradoxo, atmosfera. O tempo pode ser medido de muitas formas para diferentes fins. Na Rússia, em 2018, em média, são cinco minutos de acréscimo ao final de cada partida. Tempo suficiente para nascer, morrer e ver mais um gol de Cristiano Ronaldo, se for o caso. O tempo é uma abstração que se concretiza como uma realidade roubada ao produtivismo. Por um mês o trabalho cede espaço ao divertimento. Ficamos autorizados a parar e a vadiar.

Depois dos jogos, a vida tenta continuar. O STF absolveu os petistas Gleisi Hoffmann e Paulo Bernardo, que já tinham sido condenados pela mídia, sempre um passo à frente nos julgamentos expeditivos e dois passos atrás no reconhecimento dos seus erros. Alguns babacas brasileiros – especialidade nacional em certo tipo de evento – ficaram famosos na Rússia ao gravar um vídeo em que constrangem uma moça fazendo-o recitar palavras de baixo calão cujo sentido desconhecia. É claro que nessas situações muita gente aproveita para bancar o superior. Nada que absolva as novas celebridades. Fato. Afinal, a imbecilidade é o mal mais difundido. Há uma verdade inexorável (gosto de usar essa palavra inoxidável): a estupidez é uma herança de qual não conseguimos facilmente nos livrar.

A Copa do Mundo já tem o seu rei. Ele se chama Cristiano Ronaldo e fala português tão rápido quanto joga para desespero dos que insistem em vê-lo como um robô de treinamento. O homem tem algo de máquina. Não usa topete, não censura a sua vaidade, mas se exibe mesmo é fazendo gols em série. Só não domina a cena internacional do momento por sofrer a concorrência de um peso pesado, um paquiderme norte-americano sem limites morais e regras para seguir, um tal Donald Trump, que chama a atenção com a sua política de separação de crianças dos pais, esses perigosos migrantes em busca de trabalho e dignidade. A pátria da liberdade coloca para dormir essas crianças que ameaçam a segurança americana em jaulas. É um espetáculo para não ser esquecido.

Assim vai a nave mundial nestes dias de congraçamento esportivo. Mata-se como sempre e reproduz-se como nunca a estrutura social da desigualdade. Num campo de muitas estrelas negras apenas um treinador de seleção é negro. O poder continua sendo do macho branco. A escritora franco-marroquina Leïla Slimani, que entrevistei na segunda-feira, contou que os marroquinos têm muito medo de ver o país passar por uma “brasilianização”. Há dez anos, queriam se espelhar no Brasil que crescia e diminuía a desigualdade. Hoje, querem distância de nós.

Façamos nossas apostas: quem ganha a Copa do Mundo? Quem será o próximo presidente do Brasil? Quem vai governar o Rio Grande do Sul? Lula será candidato? Bolsonaro bate no teto e se estatela ou corremos o risco de ver um representante do machismo e da estupidez explícita governando a nação? São tantas ilusões e tantos prognósticos que é melhor deixar tudo isso para agosto. Por enquanto, sejamos francos, estamos ocupados vendo futebol e tentando entender como os norte-americanos elegeram Donald Trump, que se arrependeu de separar pais e filhos não por virtude, mas por pressão mundial. Ganha um Nobel quem encontrar uma explicação razoável para tamanha loucura, a loucura de elegê-lo presidente. A minha hipótese é sofisticada: reacionarismo puro e simples.  Coisa de gente que diz "eu nunca tentaria entrar ilegalmente com meus filhos num país".

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