Balanços do isolamento

Balanços do isolamento

Imagens de um tempo congelado

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      Estivemos na República Dominicana em fevereiro. É o país dos balanços. Sim, daqueles brinquedos que as crianças amam e que em Palomas chamávamos de rede. Em Santo Domingo muitos balanços espalham-se à beira do mar. Fica bonito e dá um ar inocente a lugares nem sempre idílicos. Os balanços de Santo Domingo me voltaram à cabeça quando vi uma imagem de crianças saindo às ruas da Espanha, por uma hora apenas, depois de um mês de confinamento. Nada mais triste do que ter de trancafiar meninos e meninas. Nada mais necessário do que o isolamento para enfrentar o coronavírus, esse inimigo invisível e devastador.

      Nas últimas semanas, as notícias sobre remédios para debelar o vírus quase desapareceram dos jornais. Depois do embalo com a cloroquina, cujos resultados não foram cientificamente comprovados em larga escala, o ânimo arrefeceu. Em contrapartida, pipocam as informações sobre vacinas. Já seriam 119 projetos de vacina em desenvolvimento no mundo. O mais adiantando, na China, estaria na chamada fase dois de testes com humanos (são três fases). Se autoridades continuam cautelosas em termos de prazo para a comercialização e aplicação de uma vacina, pesquisadores da Universidade de Oxford ainda acreditam que se possa fazer isso até o final deste ano. Concluído o processo de testagem de uma vacina, a produção industrial obedecerá certamente a uma dinâmica jamais vista.

      O mundo terá o maior processo colaborativo da sua história para colocar a vacina ao alcance de todos no menor tempo possível. Enquanto balanços da República Dominicana permanecem vazios, cientistas trabalham freneticamente pelo mundo para nos devolver a normalidade. Já tivemos vastas utopias e desilusões. A grande utopia atual leva este nome simples e mágico: retorno à normalidade. De que é feita essa normalidade? De trabalho, encontros, abraços, festas, jogos, convívio. Sabe-se desde a antiguidade que o homem é um ser social. Nada mais desumano do que essa separação que corta o alimento essencial cotidiano da relação. E nada mais necessário agora à salvação da humanidade.

      Ainda se sabe pouco sobre o novo coronavírus. O pesquisador brasileiro Eurico Arruda, professor titular de virologia da Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto, especialista no assunto, alerta para a possibilidade de o vírus permanecer por tempo indeterminado no organismo de algumas pessoas, esperando uma fragilidade para produzir novamente sintomas e podendo ser transmitido mesmo em situação de ausência de sintomas. É uma notícia ruim. Sonhamos em não adoecer. Depois, em ficar curados. Por fim, em ter imunidade. Arruda diz o que todos já entendemos: só a vacina nos libertará.

      Penso nos balanços da República Dominicana, nas crianças espanholas saindo às ruas, nos pesquisadores buscando desesperadamente a vacina que nos permitirá voltar a ser o que somos, seres sociais, e me consolo com o sol beijando a janela. Este tem sido o abril mais longo da minha vida e, quem sabe, um dos mais ensolarados. É a vida.


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