Batedores de panelas eram hipócritas?
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Primeiro você divide o mundo entre direita e esquerda, coxinhas e petralhas, modernos e anacrônicos, capitalistas e comunistas, de bem e do mal. Depois, tendo conseguido o que tanto queria, fica trancado em casa dizendo-se desencantado com a política e não ocupa mais as ruas nos domingos e feriados para protestar contra a crise da ética e a devastação da moral. Primeiro você chuta o balde, bate panela, usa camiseta amarela, canta a plenos pulmões o hino nacional. Depois, enquanto aqueles que deveriam ser seus novos heróis respondem aos tribunais e compram votos dos deputados federais para não morrer na fogueira, você silencia e diz que já não há mais ideologias e muito menos as tais utopias.
Primeiro você pontifica, milita, excita, especula, denuncia, conjectura, fatura, estrutura, articula, conspira, inspira, discursa e grita palavras de ordem contra a desordem, a quebradeira nacional e o desemprego em escala de causar mal-estar no planeta e todas as tetas, mutretas, retretas e muletas de um país tropical. Depois, sai correndo alegando não ter mais munição nem vontade de brigar com seus colegas, amigos e irmãos. Primeiro você busca o conflito, acirra o confronto, responde de bate-pronto, não perdoa, não alivia e vai correndo exigir a partida, a saída, uma única solução. Depois, alegando fadiga, ou estar deprimido, sussurra que a economia respira, a inflação suspira e não importa se no supermercado a conta não fecha, a cesta não enche, a carteira não preenche o necessário, é tudo pura ilusão.
Primeiro você acredita piamente nas provas da delação e sentencia todo adversário de antemão. Depois, você vacila, oscila e só vê indícios precários onde antes via a certeza da condenação. Primeiro você faz da avenida passarela e se sente a mais bela à frente do pelotão. Depois, depõe as armas, despe a armadura, boceja na cara dura e fica no quarto ruminando, comendo pipoca e vendo novela de televisão enquanto as hordas saqueiam a nação. Primeiro você provoca, evoca, convoca e sai de bandeira na mão. Depois, você considera, pondera e pede cautela. Só fica em fúria se alguém lhe cobrar coerência ou acusá-lo de hipocrisia.
Primeiro você alucina, desatina, vaticina, prevê o caos, a miséria e teme a revolução. Depois, saindo de cena, andando de costas, recuando de lado, adaptando o letreiro, rasgando o cartaz, aposta nas reformas e por elas aceita temporariamente a velha corrupção.