Bestiário na era Trump

Bestiário na era Trump

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 Muar e Anta se encontram casualmente. São velhos amigos. Já viram muita água rolar e muita corrupção não ser descoberta. Muar sonhou em ser político. Nunca se elegeu. Não tinha verba de empresa nem curral eleitoral. Anta teme o futuro. Pretendia refugiar-se nos Estados Unidos com medo da eleição do Jair Bolsonaro em 2018, mas com a escolha de Donald Trump perdeu o tal do timing.

– Eu gostava do velho – diz Muar.

– Que velho, cara?

– O velho safado, saca?

– O velho Bukowski com suas histórias doidas?

– Sim. Esse americano era fera.

– Pois é, agora é a vez do velho fascista.

Muar e Anta ficam alguns minutos em silêncio. Muar gosta de números. Quer saber quantos americanos foram mortos nos Estados Unidos por refugiados de Iraque, Irã, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iêmen. Anta não sabe.

– Pô, você nunca sabe nada.

– Não fala assim comigo, que eu te acuso de bullying.

– Logo você que me chamava de burro!

– Era a terminologia da época. Que posso fazer? Não me venha com anacronismos. Sou filho do tempo histórico.

– Fala como gente, pô!

– Não era mais certo proibir a entrada de americanos em certos países? Não são eles que levam lixo e morte fazendo de conta que vão implantar a democracia?

– Anta, você é comunista!

– Claro que não, Muar. Sou anarquista.

– E o muro, Anta, que acha do muro do Trump?

– Uma vergonha.

– Só isso? Você não encontra nada mais brilhante para dizer sobre esse muro odioso, revoltante e infame?

– Brilhante, Muar, que resumo brilhante o seu.

Anta e Muar discutem longamente a política externa de Donald Trump. Anta acha que a comunidade internacional se revoltará contra o protecionismo xenófobo do novo presidente dos Estados Unidos. Muar acredita que tudo dependerá do dinheiro. Ele tem uma frase sempre pronta:

– Tudo depende do mercado.

O que vem por aí? Muar é pragmático. Quer soluções imediatas. Anta é reticente. Acha melhor esperar antes de tirar conclusões. Muar não entende o sistema americano:

– Como pode alguém se eleger com menos votos?

– É a regra deles, Muar. Aceita.

– Se fosse nossa, chamariam de burrice.

Os tempos são duros. Muar e Anta se despedem cabisbaixos. Anta ainda resmunga uma reflexão profunda:

– Vamos pastar com esse Trump.

– Esse Trump é um terror – filosofa Muar.

– Terror? Não. Um terrorista de Estado.

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