Brasil, Brasil

Brasil, Brasil

Imagens de um país sem rumo

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      Passei dez dias fora do Brasil tentando espairecer. A internet não me deixou ficar longe do país. As notícias chegavam aos borbotões. Em tão pouco tempo muita coisa aconteceu. A polícia baiana executou o miliciano mais famoso da nação, que estava foragido, mas fora da lista de procurados do Ministério da Justiça. O capitão Adriano era amigo de Flávio Bolsonaro. O presidente Jair Bolsonaro, entretanto, diz que houve queima de arquivo. O viajante fica perplexo: como pode ser?

      No pouco tempo em que estive viajando Bolsonaro militarizou mais o seu regime. Até a Casa Civil passou a ser comandada por um general. E da ativa. Na onda do protagonismo fardado, o general Heleno, um dos mais próximos do Capitão, acusou o Congresso Nacional de fazer chantagem com o presidente da República tentando controlar o orçamento do executivo. O clima obviamente esquentou. Não bastasse isso, o presidente Bolsonaro insultou uma jornalista da Folha de São Paulo da maneira mais vulgar e machista possível. Disse que ele não queria dar um “furo” (notícia em primeira mão), mas “dar o furo”, ampliando o que fora dito por um depoente, generoso em mentiras, na CPI das Fake News.

      Ao chegar em Porto Alegre, depois de um dia dentro de aviões, fiquei impressionado com a notícia: Cid Gomes baleado ao tentar entrar em quartel pilotando uma retroescavadeira. Custei a entender. Por fim, vi que o senador cearense licenciado enfrentara policiais militares amotinados. Em Santo Domingo, um velho advogado convertido em motorista de táxi e guia turístico, conforme a oportunidade, que nos levou para ver o lugar, na estrada para San Cristóbal, onde mataram o sanguinário ditador Rafael Trujillo, em 31 de maio de 1961, perguntou:

– O que está acontecendo no Brasil?

      Eu sabia mais sobre o assassinato de Trujillo do que tinha explicações para a confusão brasileira. A humanidade é estranha. Os assassinos de Trujillo libertaram a República Dominicana. Não deixa de ser bizarro um monumento a um assassinato. Os antitrujullistas não visitam o local. Desejam esquecer a era maldita. Os trujillistas também não aparecem. Adorariam implodir a escultura de louvor aos que mataram o ídolo que ainda cultuam. Nosso amigo advogado resumiu:

– Falam que na época de Trujillo havia menos violência e corrupção.

      Toda a violência era oficial. Toda corrupção servia ao sistema. Franceses têm dificuldades em entender que a Casa Civil, considerada de articulação política, seja comandada por um militar que nunca fez política. Latino-americanos escaldados dos nossos ciclos autoritários ficam com pé atrás com o retorno das fardas aos espaços políticos. A democracia fardada produz ceticismo e medo. Resumo de um dominicano:

– O Brasil, de longe, parece um barco à deriva que o comandante tenta segurar berrando com os marinheiros e brigando com as ondas do mar.

      O balanço das ondas é tanto que me mareia: miliciano executado, jornalista insultada pelo presidente da República, senador baleado por militares amotinados, o Brasil pede para ser um romance fantástico.

 


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