Burro e a Comissão de Direitos Humanos de Palomas

Burro e a Comissão de Direitos Humanos de Palomas

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Vendo a CNN em Palomês durante as férias, deparei-me com a seguinte notícia sensacional: Burro quer presidir a Comissão de Educação da Câmara. Fiquei interessadíssimo pela novidade. Levantei o volume. Sentei direito. Larguei o celular. Fiquei sabendo que Burro é deputado federal na República Bestial de Palomas, tendo sido eleito com um bordão muito popular: “Só cadeia educa. Menos escolas e mais prisões”. Apesar do nome que pode ser pejorativo para gente preconceituosa, Burro se considera muito inteligente. Até fez algumas demonstrações para a tevê:

– Querem ver como sou capaz de zurrar, relinchar e abanar o rabo ao mesmo tempo? – provocou a mídia embasbacada.

– Burro não relincha! – exclamou a jornalista Vaca.

– Só se não for multimídia – retrucou Burro.

Na sequência, zurrou, relinchou e abanou o rabo. Fez isso alterando a ordem dos fatores. Também escarvou.

– Viram? Zurro e relincho, relincho e zurro. Sem pensar.

Mesmo depois demonstração de competência, ele não foi aceito na Comissão de Educação. Embora tenha sido defensor de esquadrões da morte e viva dizendo que bandido bom é bandido que tomou coice e morreu, Burro resolveu presidir outra comissão, a de Direitos Humanos. A justificativa para tal determinação é irrefutável:

– Eu também sou humano. Tenho direitos.

Na esfera pública palomense não se fala de outra coisa. As opiniões estalam como chicotadas no lombo.

– De burro ele não tem nada. É uma hiena – diz um.

– Hiena coisa nenhuma. Esse aí é um porco – diz uma.

– Porco é bicho limpo – retruca o professor Leitão.

– Não passa de um cachorro – arrisca outro.

– Olha a discriminação – alerta uma cadela.

Ainda bem que essas coisas bizarras só acontecem na República Bestial de Palomas. Lá, inimigo de minorias pode presidir a Comissão de Direitos Humanos. Já aconteceu. É um lugar delicioso. Racismo, por exemplo, só acontece no campo dos outros. Chamar torcedor do Encarnado de “mono relaxado” (o palomês é um portunhol piorado) é visto como demonstração de carinho sem qualquer conotação racista. Os encarnados, que não são santos, também praticam suas sacanagens, mas, certamente por falta de senso de marketing, não têm produzido nada tão marcante nem tão inocente. Falta-lhes mais pureza.

No futebol, um dos maiores ídolos de Palomas foi Edmundo. Pelo apelido: Animal. Os palomenses são eleitores estranhos. Reelegem corruptos, preconceituosos e incompetentes. Ainda bem que as coisas estão mudando por lá. Lentamente. Na velocidade de uma lesma. No futuro, homofóbicos ficarão sem votos. Por enquanto, alguns cantam de galo. Às vezes, o estrago é tanto que se obrigam a passar uma temporada de bico calado e crista baixa. Só Burro não para de zurrar e de soltar coices.

– É meu direito. Sou humano – ele explica.

 

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