Caetano Vasto: o suboficial que disse não ao bombardeio do Piratini

Caetano Vasto: o suboficial que disse não ao bombardeio do Piratini

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AGOSTO DE 1961 - RENÚNCIA DE JÂNIO QUADROS
RIO GRANDE DO SUL
BRIZOLA E O GRITO DA LEGALIDADE

Eu, Caetano Ângelo Vasto, Suboficial da Aeronáutica, reformado, vou narrar o que ocorreu em Agosto de 1961 e os dias e meses subsequentes que vivemos, meus companheiros e eu, quando servia na Base Aérea de Gravataí, hoje Base Aérea de Canoas, no 1º Esquadrão do 14º Grupo de Aviação, que tem como sigla 1º/14º GAv, Unidade de Caça até hoje sediada naquela Base.
Meu Nome de Guerra era Vasto, sendo comumente tratado, graduado da Aeronáutica que era, como Suboficial Vasto.
Desde o final do mês de Maio de l961, após voltarmos de manobras e treinamento conjunto com a Força Aérea da Argentina, em Buenos Aires, passei a ser o Suboficial mais antigo de toda a 5ª Zona Aérea e quiçá de toda a FAB. Há alguns anos essa área de jurisdição da Aeronáutica, que abrange o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e o Paraná, agora é denominada como Quinto Comando Aéreo Regional, 5º COMAR.
Fui incorporado às fileiras da Aeronáutica na Escola Técnica de Aviação – E.T.Av – em São Paulo, em 28/Jan/44.
Em 10 de Agosto de 44, finalizei o curso com 18 anos incompletos e fui graduado como 3º Sargento (3S); classificado em 2º lugar na minha Especialidade (Equipamento de Voo), pude escolher a Unidade para servir.
Desta forma, minha opção e o destino levaram-me ao Rio Grande do Sul, onde eu, sequer desconfiava, ajudaria a escrever parte de nossa História.
Em 1947 e 1949, respectivamente, fui promovido a 2º e 1º Sargento, ambas por merecimento e, finalmente, fui promovido a Suboficial em Outubro de 1953, à época com 27 anos.
Com 9 (nove) anos de serviço era o mais jovem Suboficial da Aeronáutica.
Esta narrativa histórica se inicia no dia 25 de Agosto de 1961, data que agora já se aproxima das comemorações do seu meio século.
Já nos dias anteriores a esse 25, os jornais vinham publicando notícias que estavam gerando certo clima de descontentamento e insegurança nas altas esferas civis e militares, pois o então Presidente da República, Sr. Jânio Quadros, condecorara com a GRÃ-CRUZ DA ORDEM DO CRUZEIRO DO SUL, nossa mais alta condecoração, um “ministro” de Cuba, braço direito de Fidel Castro que, para muitos dos brasileiros, seria nada mais nada menos que um mercenário, pois nem cubano era; assassino executor de centenas de cubanos, um contrasenso aos “castristas” que se intitulavam “os libertadores da tirania norte americana”, chamava-se ERNESTO GUEVARA, o “CHE”.
Além disto, o Presidente Jânio Quadros não estava agradando à Nação tendo em vista diversos procedimentos seus que pareciam escapar às regras do bom senso e da liturgia do cargo e atribuições presidenciais, como não aprovar que as “cariocas” usassem biquínis, proibir rinhas de galo e outras particularidades folclóricas, além das alusões a hábitos pessoais e vícios, como beber em excesso, tanto em suas viagens oficiais como no Palácio da Alvorada.
Pois nessa data, o Presidente Jânio Quadros apresentou sua renúncia.
Na manhã desse dia, ao chegarmos à nossa Base Aérea de Gravataí, o Quartel que agregava outras Unidades, como Esquadrões, Esquadrilhas e a Companhia de Infantaria de Guarda, que garantia a proteção da Base Aérea em seu perímetro, deparamos com um muito esquisito espetáculo que despertou a nossa curiosidade.
No pátio de estacionamento dos aviões de transporte, inúmeros Douglas C-47, mundialmente conhecidos como DC3, naquele momento estavam sendo carregados com móveis, utensílios domésticos, engradados de galinhas, cães e as empregadas domésticas dos oficiais que moravam na Vila Militar situada junto ao Quartel-General da 5ª Zona Aérea, localizado a menos de 4 quilômetros da Base.
Por que aquelas mudanças repentinas de tantos Oficiais com suas famílias?
Após o café, cada qual se dirigiu à sua Unidade e eu, como mais outros, fomos para o nosso Esquadrão, ou seja o 1º/14º GAv.
Para mim era glorioso, pois servia no mesmo desde a sua fundação, quando recebemos, em 1947, os famosos P-40, sendo que muitos, ou todos, já eram bem voados desde a guerra da Birmânia, onde eram conhecidos como Tigres Voadores (na verdade, sua pintura, no “nariz” da fuselagem, lembrava mais um tubarão).
Coincidindo com a minha chegada, em outubro de 1944, a Base estava recebendo para equipar suas Esquadrilhas de Bombardeiros Leves aeronaves norte-americanas HAVOC, comumente denominados na FAB como A-20.
O campo era chamado de Air France, referência à empresa francesa que operara comercialmente à partir do aeródromo até a década anterior; só existia a pista, propriamente dita, a Torre de Controle e um pequeno hangar; as demais instalações que eram todas de madeira e já bem antigas; não existiam comodidades como alojamentos, refeitório e instalações sanitárias; tudo foi improvisado utilizando-se o pouco existente.
Recebemos então os Bombardeiros A-20, para formar o 1º/10º Grupo de Bombardeiros Leves. Durou até o fim de 1946. Na época ainda era chamado de 3º Regimento de Aviação (3º RAv - denominação originária do Exército).
Voltando ao dia 25 de agosto - era o Dia do Soldado.
Ao entrarmos no Esquadrão já sentimos o clima pesado que provinha dos Oficiais.
Minha Seção, de Equipamentos, era comandada pelo 1º Ten. Reinisch; o meu Auxiliar direto era o 1º Sarg. Lorenzoni e ainda contava com mais dois soldados; nossa responsabilidade eram os para-quedas, capacetes, vestimentas (macacões muito especiais), oxigênio para as máscaras de voo e todo o equipamento de sobrevivência.
Antes do fim do dia, foi dada a informação de que a Base Aérea e todas as Unidades da 5ª Zona Aérea estavam de prontidão. Não haveria saída de pessoal em hipótese alguma.
Um dia cheio de tensões, com notícias falsas desencontradas; finalmente, noticias passadas de Sargento a Sargento, vindas diretamente do Posto Rádio, localizado no Prédio do Comando, permitiram-nos ficar sabendo dos acontecimentos em Brasília, Rio e São Paulo.
Dia 26 de agosto de l961 – Sábado.
Alvorada, café da manhã; dia tenso; trabalho urgente de manutenção para aumentar o número de aviões disponíveis para operação.
Dia 27 de agosto de 1961 - Domingo.
Logo após o café da manhã, fomos reunidos urgente para a chamada, realizada na pista.
Tão logo chegamos às nossas Seções, recebemos ordens para preparar todos os aviões e os equipamentos individuais dos pilotos, a fim de decolarem em missões.
À Seção de Armamentos já havia sido ordenado que “municiasse” os aviões, os Gloster Meteor F8; assim, cada avião recebeu duas bombas de 500 libras e em seus quatro canhões Hispano Suiza foram introduzidos cartuchos de munição traçante, perfurante e explosiva de 20 milímetros.
À minha Seção coube equipar os assentos ejetáveis com seus respectivos para-quedas e cilindros de oxigênio.
Quando ficamos sabendo, no círculo dos Suboficiais e Sargentos, que Jânio Quadros havia renunciado à Presidência em 25 de agosto; que já se encontrava em Cumbica, na Base Aérea de São Paulo; que o então presidente da Câmara dos Deputados, Sr. Ranière Mazzili, havia tomado posse na Presidência da Republica; verificamos a complexidade da situação, uma vez que os Chefes Militares não permitiriam o Vice-Presidente João Goulart assumir, já que este se encontrava na China, aonde fora a convite do governo daquele país, completamente, portanto, afastado dos acontecimentos.
Nota: O 1º Sgt Lorenzoni, meu Auxiliar, tinha consigo, pois os vendia, mini-radinhos de uma só pilha, comuns naqueles dias. Assim, de posse dos mesmos, conhecíamos pelo noticiário o que acontecia em Porto Alegre, no Rio e em Brasília. Soubemos que, veladamente, por ordem do então Ministro da Aeronáutica, Brigadeiro GRUN MOSS, caberia ao nosso Esquadrão, o 1º/14º GAV, silenciar o Governador Leonel Brizola o qual, no Palácio do Governo, em Porto Alegre, apelava pela LEGALIDADE ou seja, que o Vice-Presidente João Goulart, já chegado da China e obrigado a refugiar-se no vizinho Uruguai, deveria ser empossado como Presidente.
Tivemos informação, ainda, de que na área fronteira ao Palácio do Governo, na Praça da Matriz, muito mais de 300 homens receberam revolveres, pistolas e munição, requisitados pelo Governador das fabricas Taurus e do Arsenal da Brigada Militar, bem como outras guarnições foram convocadas a proteger o Palácio e adjacências do provável bombardeio aéreo que havia sido ordenado pelos Ministros Militares.
Nessa altura dos acontecimentos, tendo em vista os noticiários, já prevíamos o que poderia acontecer. Os nossos aviões estavam totalmente municiados e prontos para a terrível missão - Bombardear o Palácio Piratini - calando a boca do Governador Leonel de Moura Brizola que “insistia” na expressão:
“ - LEGALIDADE, POSSE AO VICE PRESIDENTE JOÃO GOULART.”
Como disse acima, dos ministros militares, em Brasília, ordens para tal já haviam sido recebidas.
COMEÇA ENTÃO NOSSA ODISEIA.
A narrativa a seguir foi vivida por mim e meus colegas, cujos nomes dou posteriormente, totalmente dentro do hangar do 1º/14º GAv ou seja, no âmago, cerne dos acontecimentos daquele Agosto de 1961 que nos couberam, num pequeno mundo à parte, independente do que ocorria dentro do restante da Base Aérea.
Naquele dia, pela manhã, muito cedo, havia chegado mais um Douglas C-47, que estacionou defronte à Esquadrilha Extra; seus tripulantes, já em reunião com os Comandantes da Base e do 1º/14º GAv, pelo que soubemos, traziam ordens diretas do Alto Comando, de Brasília.
Nosso hangar era um pavilhão com toda estrutura de aço e alvenaria, com direção Norte e Sul e suas laterais Leste e Oeste; internamente, toda a estrutura que abriga as diversas Salas e Seções, administrativas e técnicas, era construída em alvenaria. A minha Seção, o Equipamento de Vôo, situava-se no andar térreo, à direita de quem entra, e era contígua à Seção de Armamentos e ao Almoxarifado.
No andar superior localizavam-se todas as salas de Comando (Gabinete do Comandante, Sala de “Briefing”, Ajudância), necessárias ao gerenciamento da Unidade, cujo acesso era pela entrada na lateral, onde estava situada a escada; dessa forma, para entrada na hangar, à exceção dos grandes portões Norte e Sul, existia somente essa porta lateral.
Num determinado momento daquele dia, um dos Oficiais desceu, veio ao meu encontro, entregou-me uma prancheta e disse: “- Sub. Vasto, POR ORDEM DO CAMANDANTE DO 1º/14º, relacione todo os mecânicos e os demais auxiliares que deverão ir para São Paulo a fim de receber os nossos aviões.”
O preenchimento dessa prancheta com os nomes dos mecânicos, de todas as especialidades, que receberiam os aviões após o vôo, era um procedimento normal, obrigatório; todavia, era tarefa habitual do Suboficial Chefe das Equipes de Mecânicos de Pista, nunca minha obrigação. A mim cabia, como o Graduado mais antigo do Esquadrão, fazer a escala da minha Especialidade (Equipamento de Vôo) e definir a Escala final de quem iria participar de tal e qual missão.
Estranhei, visto já estar relacionado meu nome, escrito à máquina, Equipamento - SO Vasto (Nunca aconteceu antes, visto que, como já disse, por ser o mais graduado, eu determinaria de minha especialidade quem deveria ir atender a missão: e ainda mais, toda vez que determinada missão tinha como destino São Paulo ou Rio, eu me “escalava” junto com o (os) auxiliares que quisessem ir, isso era sabido e conhecido; nas missões para o norte, eu não ia).
De posse dessa prancheta, convoquei todos os Suboficiais e os Sargentos mais antigos e, dialogando, concluímos que o que se estava prevendo passava a ser a realidade:
Eu, o primeiro a falar, disse: “ - Pessoal, como já estávamos prevendo, as notícias são verdadeiras. O Palácio vai ser bombardeado e depois os aviões vão para São Paulo.”
“ - POR MIM, DIGO: EU NÃO VOU E NEM OS AVIÕES DECOLAM.”
Em seguida, o Suboficial ALIPIO, da Seção de Armamentos, disse: “ - VASTO, eu e o pessoal da minha Seção concordamos contigo (*), pois sabemos que assim carregados como estão esses aviões, de acordo com as “Ordens Técnicas” vigentes, não poderão pousar. Aqui está a OT. O Comandante deve ter conhecimento mas, por via das dúvidas ...”
E entregou-me a OT, afim de que, se o Comandante me questionasse a respeito, teria eu o argumento e justificativa em mãos.
A Ordem Técnica dizia, em um determinado trecho que, armados com esse tipo de bombas, os aviões não podem pousar, visto serem sobras da 2ª Guerra e ser o detonador ativado com o choque.
“ - Então você tem toda a justificativa e argumento para dizer porque esses aviões não poderão decolar, se de fato não forem “bombardear” algum alvo. E pelo que estamos sabendo, é o Palácio Piratini, do Governador Brizola, o alvo”.
Completando suas palavras disse-me ainda: “ - Mas já providenciamos o travamento de todos os “cabides” das bombas e os canhões não darão nem um tiro; ainda estão travados.”
(*) Na nossa reunião éramos somente cinco Suboficiais, todos do 1º/14º GAv, e mais de uma dezena de Sargentos, os mais antigos e confiáveis; então, analisando a situação, facilmente se tomou a decisão.
Eu disse: “ - ENTÃO, TODOS SABEMOS O QUE PODERÁ ACONTECER SE ESSES AVIÕES LEVANTAREM PARA A MISSÃO ORDENADA.”
E concluindo: “ - POR MIM ELES NÃO DECOLAM.”
O Suboficial ALIPIO, Encarregado da Seção de Armamento me informou: “ - VASTO, COM ESSAS BOMBAS ESSES AVIÕES NÃO PODERÃO POUSAR, MAS NÓS, RAMALHO, CUSTÓDIO (e todo o pessoal da Seção de Armamento) JÁ PROVIDENCIAMOS A TOTAL INOPERÂNCIA; OS CABIDES ESTÃO TRAVADOS; AS BOMBAS SEM OS DETONADORES ATIVADOS E OS CANHÕES COM SISTEMA ELÉTRICO TAMBEM DASATIVADO. NÃO SAI UM TIRO.”

Em unanimidade, os Suboficiais e Sargentos me apoiaram, concordando com a resolução que tomei; todavia, também imaginávamos as consequências que adviriam dessa resolução, visto que nos já estávamos longe de nossas famílias há alguns dias, sem poder trocar os nossos uniformes, macacões e roupas íntimas.
Agora, para simples ilustração dos que lerem este relato, vou relembrar o que aconteceu quase no fim da 2ª Guerra.
Certa manhã, voando em um pequeno avião, estavam sendo levados, de Londres para Paris, o grande “Band Leader”, Maestro GLENN MULLER, e muitos de seus músicos, a fim de apresentar aquela famosíssima orquestra em um acampamento de soldados norte americanos.
Como o tempo estava “fechado” (nosso jargão), esse avião estava voando em baixa altitude e sob nuvens, ainda sobre do Canal da Mancha; coincidentemente, no mesmo instante retornavam diversas esquadrilhas de bombardeiros LANCASTER, alguns deles ainda portando bombas em seu interior. Sendo um procedimento normal à época, resolveram alijar as bombas naquela área “vazia” de oceano, uma vez que não poderiam pousar levando-as em seus “ventres”. E assim foi feito...
O avião de Glenn Muller não desceu em Paris e nunca mais se soube de seu paradeiro.
Muito tempo depois, entretanto, o mundo ficou sabendo do ocorrido.
Um dos bombardeadores daquela Esquadrilha contou que, certo dia, após sua missão de bombardeio, no retorno, ao passar sobre o Canal da Mancha, despejou as bombas restantes e admirou-se ao ouvir, logo abaixo, umas explosões. Não fazia sentido naquela área..
Matada a charada.
Voltando ao item anterior, nessa pequena reunião estavam presentes os Suboficiais Alípio (baita amigão) da Seção de Armamentos; Adão Dorneles, da Pista; Figueiredo, (FeFe) do Controle de Vôo; Renan, Rádio. Os “cobras” do hangar, Sargentos, Máia, Victor Hugo, Cunha, Breda, Squifini, Haag, Baiano, Custódio, Ruduite, Ed, Cesáre, Mirándola, Lucas, Souza, Arruda (Pão de Milho), Polônio, Rubem, Marinônio, Castro, José Lúcio (Biela) e, da minha Seção, meu Auxiliar direto, o 1S. Lorenzoni. Não me recordo de quem mais pudesse estar.
Expus os fatos e suas possíveis consequências.
Poderíamos, no futuro, responder a um Conselho de Guerra e sabe-se lá o que mais poderíamos sofrer.
Não obstante, todos me apoiaram e se dispuseram a tudo o que pudesse acontecer.
Os Cabos, auxiliares desses sargentos, bem como alguns Soldados (alguns dos Soldados Engajados não nos apoiaram), não estavam presentes à reunião mas souberam do que se tratava; então, uns poucos tomaram partido dos Oficiais.
Como dito, a Base já estava em regime de prontidão há mais de três dias; nas suas Sub-unidades, principalmente na Companhia IG (Infantaria de Guarda), todos os Sargentos já estavam armados com pistolas Colt, revólveres Smith&Wesson e metralhadoras INA, todos de calibre 45, acompanhando as notícias e muito atentos ao que se passava dentro do Hangar do 1º/14º GAv.
Sabendo de nossa resolução, nos apoiavam integralmente, uma vez que nós estávamos confinados, não podendo sair do hangar sem licença; e esta não seria concedida, de maneira nenhuma...
Tão verdadeiro é que, desde o dia anterior, para irmos ao Rancho (café da manhã, almoço ou janta), eu comandava o deslocamento do pessoal, em forma, estando ao lado um ou dois dos Oficiais, um dos quais era sempre um Capitão.
Todo o efetivo da Base observava e imaginava o que poderia estar acontecendo dentro do Esquadrão da Caça.
Em algumas oportunidades eu conversava com outros Graduados e passava as notícias, momento no qual esses também me informavam do que estaria havendo na Base; e não era pouca coisa...
Voltando ao episódio da prancheta, alguns minutos depois aquele Oficial voltou a minha procura, pedindo a prancheta com os nomes do pessoal que “deveria” ir à São Paulo “esperar” os aviões.
Entreguei a ele a prancheta em branco, sem qualquer nome.
Olhando, e vendo até o meu nome riscado, perguntou-me porque eu não estava cumprindo a ordem do Comandante do Esquadrão.
Respondi:
“ - TENENTE, INFORME AO SR. COMANDANTE QUE NINGUEM VAI PARA SÃO PAULO E, NESSA SITUAÇÃO, NEM OS AVIÕES VÃO DECOLAR.”
Correndo, subiu as escadas em direção às Salas de Comando.
Minutos depois tocou a sirene, convocando para uma formatura.
O alto-falante informava que seria para todo o pessoal Subalterno, junto ao Portão Sul do hangar, e que o Comandante do Esquadrão, MAJOR CASSIANO, iria falar.
Imediatamente, reuni todos os Suboficiais e Sargentos, não incluindo os Cabos e soldados, em formatura junto ao Portão Sul e aguardamos a chegada do Comandante.
Alguns segundos depois chegaram o Comandante e mais alguns Oficiais, todos armados, com suas pistolas Colt no coldre, sendo que o 1º Ten. Pinto portava ainda com uma submetralhadora Thompson, calibre 45, junto ao peito:
Apresentei-me e a toda a tropa em forma
O Major CASSIANO estava pálido, nervosíssimo; com a prancheta nas mãos, perguntou-me porque não acatei suas ordens de “escalar” o pessoal para a missão e ainda:
“ - QUE HISTÓRIA ESSA DE NÃO IR NINGUEM E NEM OS AVIÕES?”
Respondi:
“ - Sr. Comandante, estamos sabendo das ordens vindas dos Ministérios Militares para bombardear o Palácio Piratini, onde está o Sr. Governador do Estado, Dr. Leonel Brizola, apelando pela LEGALIDADE, afim de dar posse ao Vice-Presidente, Dr. João Goulart.”
Comandante: “ - De quem veio essa informação a vocês de que tenho ordens para bombardear o Palácio do Governo deste Estado?”
Eu: “ - Sr. Comandante, soubemos, direto da Seção Rádio, que foi decodificada essa ordem, bem como de que todos os noticiários das rádios de Porto Alegre estão transmitindo essa notícia de forma veemente e repetidamente.”
Comandante: “ - Pois a ordem que recebi é só para levar todos os aviões para São Paulo; e vocês, é só cumprirem minhas ordens, sem questionar.”
Disse então: “ - Sr. Comandante, o senhor deve estar sabendo, perfeitamente, que os aviões não poderão pousar com essas bombas instaladas.”
Então, mostrando aquele documento, concluí:
“ - Conforme reza essa ORDEM TÉCNICA, NENHUMA AERONÁVE PODERÁ POUSAR PORTANDO ESSES TIPOS DE BOMBAS EM SEU VENTRE OU NOS CABIDES DAS ASAS.” (Nota, o texto não é esse mas o que se entendia era exatamente isso)
E prossegui: “ - E COMO ELES ESTÃO TOTALMENTE MUNICIADOS, PARA QUE DECOLARIAM SE NÃO FOR PARA ALGUMA MISSÃO DE BOMBARDEIO OU ATAQUE?”
“ - PORQUE O COMANDANTE QUER VOAR, SABENDO QUE ASSIM MUNICIADOS ESTARÃO IMPEDIDOS DE POUSAR EM QUALQUER CAMPO?”.
Comandante: “ - QUERO DE IMEDIATO, EM DEZ MINUTOS A RELAÇÃO DOS QUE IRÃO PARA SÃO PAULO E, PRONTOS PARA A VIAGEM.”
Eu: “ - SR. COMANDANTE, JÁ DISSEMOS, NINGUÉM VAI E NEM OS AVIÕES VÃO DECOLAR.”
Comandante: (aos gritos) “ - VOU INDICIAR TODOS VOCÊS AO ESTADO MAIOR, PARA UM CONSELHO DE GUERRA.”
Tenente Pinto: (com a THOMPSON na minha cara) “ – Comandante, vou chumbar os dentes do Sub.” (Eu, o Suboficial que estava no comando).
Estávamos vivendo o clímax desta nossa história.
Tanto o Major Cassiano como os demais Oficiais, pilotos, sentiam ser o momento decisivo para a solução da ordem dada pelo Comandante.
Se ele dissesse que estaríamos todos presos, de nada adiantaria; a única ação provável seria dar um tiro para o alto, ou em alguém; o Ten. Pinto daria uma rajada da Thompson 45, para cima? Certamente não surtiria efeito.
Então SERIA EU O ALVO. JUSTAMENTE QUEM ESTAVA LIDERANDO A REBELIÃO.
Quem sabe? Provavelmente amedrontaria a tropa. E será que os demais iriam obedecer? Logicamente não.
Imagino que uma atitude tão violenta, com tantas testemunhas, revoltaria mais ainda esse pessoal, ainda mais se considerarmos que todos nós estávamos totalmente desarmados, “à mercê” daqueles homens que estavam sendo afrontados por seus subordinados, ferindo frontalmente seu sentimento de superioridade, sua vaidade de ser, o que eram. Um Comandante e demais superiores h i e r a r q u i c o s, como costumo dizer.
Mas, como sabemos, tudo acontece no momento exato e NADA É POR ACASO; então, naquela fração de segundo é que o Portão Sul se abriu e apareceu todo o pessoal da Companhia IG e mais alguns Suboficiais e Sargentos de outras Subunidades, juntamente com mais de 40 Cabos e Soldados, todos bem armados com fuzis e pistolas e metralhadoras INA pois, ouvindo as ordens dadas pelo alto falante e sabendo de nossa situação - fechados e desarmados dentro do hangar sem poder reagir aos Oficiais, todos muito bem armados - resolveram então entrar no hangar gritando e gesticulando muito, a fim de chegarem próximos à nós, demonstrando apoio a nossa resolução.
Estávamos a poucos metros desse Portão Sul.
Foi uma correria; tanto o Comandante como todos os Oficiais que lá estavam correram para as salas superiores, também aos gritos e assustados.
Assim, praticamente nos sentimos liberados; pudemos sair do hangar e nos dirigirmos aos alojamentos e demais instalações da Base onde, encontrando os demais colegas, pudemos contar a todos o acontecido e a nossa final resolução.
Sentimos o apoio de todos.
Pouco tempo depois, fiquei sabendo que um Jeep havia saído da Base, transportando os Sargentos Éric, da Tesouraria; Calixto, da Garagem e o 1S Paluskiewski, “o Polaco”, em direção ao Palácio Piratini para dizer ao Governador Brizola que a situação na Base estava sob “nosso” controle.
Nenhum avião sairia para bombardear o Palácio.
De fato, poucas horas depois, soubemos pelas rádios que o governador Brizola já estava ao par dessa situação.
Mesmo assim, todo o pessoal da Base estava bastante nervoso e dizia que os pilotos iriam tentar decolar a qualquer custo; de qualquer forma, seria uma manobra muito arriscada, uma vez que o Suboficial Mauri, Encarregado da Seção de Bombeiros, durante o almoço informou que a pista estava toda cheia de tonéis, espalhados em posições estratégicas, com um carro tanque “pipa” e um contra incêndios em cada uma das cabeceiras. Seria difícil que decolassem. Mas os Oficiais tinham muitos Cabos e Soldados como seus aliados, poderiam tentar.
Após o almoço, voltamos todos para nossas Seções. Na minha, Eu e o 1S Lorenzoni vimos o Major PEIXOTO, anterior comandante do Esquadrão, entrar no vestiário; boa-praça e muito simpático com todo o pessoal, gostava de um futebol com os Sargentos (no gramado as canelas não tinham divisas nem galões; todos eram jogadores iguais).
Vendo que o Major trocava de roupa, mandei chamar urgente o Suboficial Renan; quando ele chegou, entramos no vestiário e fui logo dizendo: “ - MAJOR, A SITUAÇÃO ESTÁ TENSA DEMAIS. ESTAMOS TODOS COM OS NERVOS Á FLOR DA PELE. O MAJOR CASSIANO PODE TENTAR UMA LOUCURA. RESISTIREMOS. ENTÃO, A SOLUÇÃO QUE PROPOMOS É QUE O SENHOR ASSUMA O COMANDO DO ESQUADRÃO. ASSIM, DESARMAMOS OS AVIÕES E PODERÃO IR PARA SÃO PAULO OU SANTA CRUZ (RIO), ONDE O PESSOAL PODERA RECEBÊ-LOS SEM PROBLEMAS. QUANTO AO NOSSO PESSOAL, NINGUEM QUER IR PARA SÂO PAULO OU RIO.”
(Em Santa Cruz, RJ existia outro Esquadrão equipado com aviões iguais aos nossos “Gloster Meteor F8” e as equipes poderiam receber e atender perfeitamente).
Disse-nos então: “ - NÃO POSSO, ELE É MAIS ANTIGO.” (entenda-se, ambos eram majores, da mesma turma de formação, porém o MAJ PEIXOTO era mais novo), “ - E ISSO IMPLICARIA EM UMA TOTAL REBELIÃO MINHA E EU ESTARIA SUJEITO A UM CONSELHO DE GUERRA. NÃO VOU FAZER.”
O Peixotão (como também era conhecido) gostava quando diziam ser ele muito parecido com o Clark Gable, um grande galã de cinema naquela época; de fato, existia uma semelhança. Assim, caiu por terra uma esperança nossa de evitar o grande desastre que, felizmente, não aconteceu
Nas salas superiores, ouvia-se grande barulho, gritos, vozes e correrias; não se imaginava o que poderia estar acontecendo.
Ao final da tarde, o Suboficial Figueiredo (o Fefe, seu nome todo Francisco Furtado Figueiredo) me procurou e disse: “ – Vasto, tem um jeito de acabar com as esperanças deles tentarem decolar. Vamos tirar, de apenas um dos pneus, de cada avião, um pouco de ar. Assim, eles saberão que não decolarão.”
Assim foi feito, o pessoal de Hidráulica, a quem estava afeto também os pneumáticos, esvaziou um pouco de um só pneu de cada avião e fim; “sumiram” com a chave que ligava compressor, que era muito especial, e cujo motor funcionava com 440 Volts e com a chave reserva, que estava no Almoxarifado (esse foi o trabalho do Sargento Almoxarife). Dessa forma, pudemos ir dormir um pouco mais tranquilos, o que não fazíamos há alguns dias.
Ainda nessa mesma tarde, vi o 1º Ten. JAECKEL entrar no alojamento dos oficiais; cheguei até ele e pedi sua licença. Vendo-o um tanto amedrontado, temeroso com minha presença, disse-lhe: “ - Tenente, por favor, não tenham medo; nada de mal vai acontecer com os Oficiais; nada pessoal; se preciso fosse eu traria minha família como refém para garantir nossa boa intenção. Só não queremos que o Palácio do Governo seja o alvo do bombardeio. O senhor poder imaginar as conseqüências posteriores.” Nada disse; aceitou minha retirada. Fui! (Se esse Oficial ler irá se lembrar dessas minhas palavras. Há 2 ou 3 anos atrás, em uma das reuniões de aniversário do 1º/14º GAv, esta eu presente quando vi o hoje TENENTE BRIGADEIRO DO AR JAECKEL, a maior patente da Aeronáutica, e soube que também seu sempre companheiro, que foi chefe de minha Seção, o 1º Ten REINISH, é igualmente TENENTE BRIGADEIRO DO AR. Foi bonito ver e gostei de saber até onde aqueles moços chegaram. Do AR, no posto de Brigadeiro, só os aviadores são).
Estávamos exaustos; noites anteriores sem dormir; uns bagaços.
Na alvorada, 06:00 horas, ficamos sabendo que uma tropa do Exército, comandada por um Major chamado ETCHEGOYEN (soubemos depois ser ele filho do GENERAL ETCHEGOYEN, de muita projeção no alto comando do Exercito) estava chegando à nossa Base, por ordem o Comandante do III Exercito, o Gen. JOSÉ MACHADO LOPES, e que esse Major era a favor da LEGALIDADE ou seja, a favor da posse do Sr. JOÃO GOULART. Foi assim que se apresentou. Francamente, não me pareceu.
Posteriormente, fiquei sabendo que um jornal noticiou ter essa tropa vinha a pedido dos Sargentos da Base. Não me consta nada disso. Que que eu saiba, ninguém poderia ter feito esse pedido. Mas...
Assim que a tropa chegou, foi recebida pelo MAJ. MÁRIO OLIVEIRA que, nessa situação, estava no comando da Base, visto o Cel. Honório teria ido se apresentar ao GEN. MACHADO LOPES.
Tal grupamento era composto por uns 60 (sessenta) homens, Cabos e Soldados, tendo como Oficiais apenas o Major Etchegoyen e um CAPITÃO QAO, de Infantaria, mais uns 10 (dez) Sargentos e nenhum Subtenente.
Em seguida, o Major Etchegoyen reuniu-se com os Oficiais da Base e, então, esse Capitão QAO distribuiu os Sargentos com os Soldados, para fazerem uma vistoria em toda a Base. Após um curto espaço de tempo, pudemos nos entender com os Sargentos dessa tropa; eu e mais uns Suboficiais falamos com o tal Capitão QAO (Quadro Auxiliar de Oficiais). Soubemos que no caminho o Maj. Etchegoyen vinha dizendo, doutrinando seu pessoal, que os Sargentos da Base haviam destruído instalações, danificado muitos aviões e que, possivelmente, haveria alguns mortos e feridos, devido a desavenças e brigas entre Oficiais e Sargentos, partidários de um lado e outro. Como não viram nada que se parecesse com o que lhes havia sido passado, então esse pessoal do Exercito chegou-se à nós e começamos a trocar informações. Assim, soubemos que o Maj. Etchegoyen, após a saída da tropa de seu quartel, “agregou-se” a ela como Comandante, pois era Major e o outro um Capitão. Só muito depois é que ficamos sabendo.
De fato, essa tropa foi escolhida, por ordem do Gen. Machado Lopes, e mandada afim de apaziguar os ânimos (?), acalmando a situação; assim então, após a reunião dos Oficiais no Comando, todo o “corpo” da Base, exceção ao pessoal de Serviço na Hora, foi reunido na lateral de um dos pavilhões da Companhia I.G., quando então o Maj. Etchegoyen pediu para que as armas que estavam em mãos dos Soldados e Sargentos, tanto da Companhia IG como de outras Subunidades, fossem entregues a fim de evitar qualquer “acaso” que pudesse acontecer. Mais adiante, na verdade, sentimos que éramos prisioneiros da tropa comandada por esse Major do Exercito.
O pedido do Major foi imediatamente referendado por um dos nossos mais querido e respeitado Oficial, o Major Aviador Mario Oliveira; todavia, como ainda persistiam dúvidas, o referido Major, vendo-me bem à frente do pessoal, sabendo quem eu era e percebendo que eu desejava dizer algo, concedeu-me a palavra.
Subi na plataforma (uma pequena elevação existente nos fundos do pavilhão, que era um dos alojamentos de soldados da Companhia I.G.) apresentando-me, todavia todos já me conheciam.
Disse que acreditássemos na palavra do Maj. Mario Oliveira (Oficial com quem servi alguns meses, quando ainda Capitão e Ajudante do Comandante da Base, sendo eu um de seus Auxiliares), assim como eu acreditava, e recomendei que entregassem as armas ao Armeiro, no Paiol da Companhia IG. de onde foram retiradas, uma vez não mais serem necessárias pois a Base estava em paz e sob boas ordens.
Ao anoitecer, um encontro insólito aconteceu.
Quando me dirigia ao alojamento, um soldado veio ao meu encontro e, perguntando-me se era eu o Sub. Vasto, disse-me ter uma informação. Perguntei qual seria, ao que ele respondeu:
“ - Sub, mandaram dizer para o senhor que pode ficar sossegado porque lá em cima do morro tem uma dúzia de “bocas de fogo apontadas para a pista” e nenhum avião poderá decolar.”
Deu o recado e sumiu.
Qual a Unidade do Exercito, próxima de nós teria esses canhões? Porque nunca foi comentado? Tem gente que duvida do fato; gostaria que alguém se pronuncia-se, confirmando minha versão. Nunca foi mencionado esse episódio; só dentro do Exercito é que podemos saber.
Mais um dia se passou e soubemos de novas ordens do Gen. MACHADO LOPES, que permitiu a decolagem dos Caças.
Então, “desentupida” a pista, os aviões foram desarmados e preparados para a decolagem com a instalação dos “belly-tank” (um tanque adicional sob a fuselagem, ventre, que dobra a capacidade de combustível), aumentando a autonomia o suficiente para que chegassem à Base Aérea de Santa Cruz (RJ), onde, como dito anteriormente, existia outro esquadrão com aviões iguais aos nossos.
Este trabalho foi realizado pelo Cabos e Soldados, Auxiliares dos Sargentos Especialistas desse aviões, e que eram partidários dos Oficiais “golpistas”.
Um Douglas C47 decolou, transportando apoio, mas ninguém foi para São Paulo, afim de recebê-los.
Antes disso, entretanto, no hangar do 1º/14º Gav, a sirene foi acionada e foram reunidos todos os Suboficiais, Sargentos e alguns Cabos.
O Comandante, MAJOR CASSIANO, fez sua despedida.
Sua fala foi mais dirigida a mim, pois eu estava no comando do pessoal graduado, conforme me cabia pela antiguidade.
Então, COM UMA PISTOLA COLT 45 NA MÃO DIREITA, VERMELHO DE RAIVA E ACINTOSAMENTE, FOI DIZENDO DO “CRIME” QUE COMETEMOS, E DO QUAL ELE NÃO IRIA ESQUECER, E QUE, CERTAMENTE, NO FUTURO MUITO PRÓXIMO, NOS ENCONTRARIAMOS.
Poucas palavras, mas bem claras e por nós entendidas como ameaças.
Poucos minutos depois, comandei uma formatura geral, com todo o pessoal da Base, defronte ao Pavilhão do Comando; ficamos algumas horas de pé, em forma, reconhecendo, finalmente, a situação de prisioneiros do Major Etchegoyen.
Assistimos à decolagem dos caças, os quais voaram inúmeras vezes sobre nossas cabeças, rasante, antes de seguir para o seu destino. Norte.
Nas extremidades da nossa tropa formada, posicionados, encontravam-se um Sargentos artilheiro e uns 3 ou 4 Soldados do Exército, municiadores com metralhadoras calibre .30.
“ - Muito estranho”, me foi dito pelo Sargento do primeiro grupo, o que estava próximo de mim.
“ - Atenção SUB!! Se derem um tiro, atirem-se ao chão”.
Observei a mira daquele metralha e constatei que estava apontada para os Oficiais que estavam na entrada do prédio do Comando, num avarandado coberto, avançado uns 3 metros em relação ao corpo principal do prédio, tendo, bem à frente, o Maj. Etchegoyen.
Permanecemos nessa posição umas boas duas horas, quando os aviões passaram sobre nós, em rasantes, despedindo-se.
Soubemos depois que em outras Unidades (o Quartel-General da 5ª Zona Aérea, por exemplo) também aconteceram problemas entre Oficiais e Graduados, uma vez que estes últimos, sabedores do que se estava passando no 1º/14º GAv, solidarizaram-se conosco.
Muita coisa aconteceu também fora do nosso Esquadrão.
Discussões entre Oficiais, das diversas patentes, sendo elevado o número daqueles que apoiavam o bombardeio do Palácio.
As visões antagônicas entre Oficiais e Graduados estava presente, até mesmo, entre os homens do efetivo da Infantaria, pois o Capitão Comandante da Companhia IG não conseguiu contar com seus Graduados (Suboficiais, Sargentos, Cabos e Soldados).
Deixo bem claro que nada nem ninguém, estranho ao nosso Esquadrão, teve qualquer influencia em NOSSA DECISÃO, não obstante o que estava acontecendo entre Oficiais e Graduados, na Base.
Revendo diversos jornais daqueles dias, vi que um deles, ÚLTIMA HORAS, havia publicado, no dia 28 de agosto, em manchete de 1ª página:
OS SARGENTOS DA FAB IMPEDIRAM ONTEM O BOMBARDEIO DO PALÁCIO PIRATINI.
Na página interna, o texto era um pouco diferente:
SARGENTOS DA FAB IMPEDIRAM OFICIAIS DE BOMBARDEAR O PIRATINI !
Sem os nossos aviões, vivemos uns dias com muita apreensão; vazios porém inquietos, lendo nos jornais os acontecimentos com as autoridades, em Brasília e no resto da País.
Sem muita certeza sobre o tempo transcorrido, acho que somente após bem mais de um mês os nossos F8 retornaram; agora, porém, com um novo Comandante, o Ten. Cel. Alberto Bins Neto, Oficial que anteriormente comandara o Esquadrão, no posto de Major.
Os pilotos também não eram todos os mesmos que partiram.
Sem nenhuma abertura ou sorriso, a situação permaneceu algo tensa por muito tempo.
Em dezembro desse mesmo ano, certa manhã, o ônibus que nos trazia ao trabalho deixou-nos diretamente à porta do nosso Hangar; conforme ordens, fomos direto para a pista e realizamos toda a inspeção de pré-vôo dos aviões.
Concluído meu trabalho, fui ao rancho tomar o café matinal; na volta, fiquei sabendo que houvera uma formatura, com retirada de faltas, e eu não estava presente.
À tarde, ao final do expediente, tomei conhecimento que, no Boletim Reservado, constava uma punição:
DETENÇÃO: A 14 Dez 61 (Boletim Reservado nº 39) foi público haver sido aprovado a punição imposta pelo Comandante do 1º/14º Grupo de Aviação, por haver se afastado do local de serviço, sem que para isso estivesse autorizado (cita o nº do Art etc. com atenuantes, transgressão leve) ficou detido por 02 dias. Permanece no BOM COMPORTAMENTO. A presente punição foi a contar de 14 de Dez 61.-
LIBERDADE: A 15 Dez 61 (Boletim Reservado nº 39) foi público mandado pôr em liberdade, por conclusão da punição, o dia 16 Dez 61.
Fui eu, então, o primeiro a ser punido.
Passado um bom período (talvez no ano de 1963, já que a memória me trai), foi transferido para a Base Aérea um Capitão (semblante sério, amarrado, logo promovido a Major), incumbido de dar prosseguimento ao IPM relativo aos acontecimentos de 1961.
Seu nome, MAX ALVIM.
A cara amarrada, com aspecto de brabo, muito cedo se desfez.
O Inquérito, entretanto, durou muito tempo.
Todo o efetivo de Suboficiais e Sargentos da Base e das demais Sub-Unidades foi inquirido; estranhamente, fui o último a ser ouvido.
Resultado: o Major Alvim acabou se mostrando meu Amigo e protetor, impedindo por duas vezes minha transferência para outras Unidades, mesmo quando da chegada de outro Suboficial para me substituir na Seção de Equipamentos.
Numa das ocasiões, por aconselhamento, disse-me: “ - Vasto ! se você já tem tempo para passar para a reserva; peça, porque o que te espera eu não sei, mas imagino”.
Como resultado do IPM, infelizmente (certo é dizer, felizmente) 3 Sargentos foram cassados, justamente os que foram, com o Jeep, dar a notícia ao Governador Brizola de que nós impedíramos o bombardeio do Palácio. Os 2º Sgt ÉDIO ÉRIC e CALIXTO e o 1º Sgt PALUSKIEWSKI.
Situação desses militares, após os acontecimentos:
Cassados em 1964, ou logo após, por um tempo não tiveram vida fácil, mas, com a anistia, gozam hoje das seguintes situações:
O 2S Ney Moura Calixto (Seção de Viaturas) - Em 2006 ou 2007 foi finalmente promovido a Capitão com vencimentos integrais de Major, tendo recebido atrasados.
O 2S Édio Eric (Tesouraria) - Foi promovido a Tenente Coronel há mais de dez anos. (Por similaridade com seu colega de turma ??????)
O 1S Paluskiewiski (Seção ?????) - Está em situação idêntica à do Ney Moura Calixto, mas foi promovido algum tempo antes deste colega.
Situação dos Suboficiais do 1º/14º GAv (éramos cinco, à época dos acontecimentos):
Eu, Suboficial Caetano Ângelo Vasto, passei para a Reserva Remunerada (RR) somente como SUBOFICIAL, com vencimentos de 2º Tenente pelo beneficio da Lei 1.156/50 (Decreto 10.490-A/1942), não considerada a Lei 2.370/54, no seu Art. 51. Totalmente prejudicado pela Lei 4.902/65.
O Suboficial Alípio Jaeger passou para a RR como 1º Ten. - Art. 51 da Lei 2.370/54 e 1.156 (D.10.490-A)
O Suboficial Adão Dorneles de Mello, falecido, passou para a RR como 1º Ten. - Art 51 da Lei 2.370/54 e 1.156 (D. 10.490-A).
O Suboficial Francisco Furtado Figueiredo, falecido, passou para a RR como 1º Ten. - Art. 51 da Lei 2.370/54 e 1.156 (D. 10.490-A).
O Suboficial Renan Cavalcante Albuquerque, falecido, passou para a RR como 1º Ten. - Art. 51 da Lei 2.370/54 e 1.156 (D.10.490-A), amparado ainda pelo Art. 58 da Lei 4.902/65.
Os 4, Alípio, Adão, Figueiredo e Renan, embora mais novos na graduação de Suboficial, tinham mais tempo (anos) de serviço do que eu; daí gozarem dos benefícios de Leis anteriores (a que “me” prejudicou, em 1965, foi 4.902/1965, a malfadada Lei “CASTELO BRANCO”)
Em 18 de Abril de 1985, visitando este Estado, o escritor OSVALDO FRANÇA JUNIOR concedeu uma entrevista ao jornal ZERO HORA (2º Caderno, pág. 5). Lembrou que em 1961 era um dos Oficiais (1º Ten. Av) do 1º/14º Grupo de Aviação e disse ser um dos que “não iria bombardear o Palácio do Governo”... tararí.... tarará...
Lendo aquela entrevista, e não aceitando a versão do escritor, procurei a Redação daquele jornal e dei minha versão dos fatos daquela época (ZERO HORA, dia 23.04.85, 2º caderno).
Ao encerrar essa narrativa, fiquei a meditar por muito tempo.
Não seguidamente...
Mas em flaxes de lembranças; pensamentos; reflexões, acontecidas às noites, no travesseiro, ou durante os dias, porque, afinal, o acontecido há cinquenta anos atrás não foi pouca coisa.
Então, lembrei-me de um trecho de Paulo Coelho, em seu livro O ALQUIMISTA, presente de meu irmão Alexandre, que disse: “ - Leia com atenção, pois este autor é bastante místico e esta arrebentando com seu modo de contar histórias; tem uma maneira muito interessante, cativante e agradável”.
O diálogo acima aconteceu há muitos anos atrás, mas bem mais recente do que os episódios de 1961. Esta é a síntese do que Paulo Coelho escreveu:
CERTA OCASIÃO, O MOMENTO NOS APRESENTA UMA CHANCE, OPORTUNIDADE, SEM SABER, DE ALTERARMOS NOSSO PRÓPRIO DESTINO, FUTURO. POR QUÊ? MAS PODEMOS FAZER. FIZ!!
O meu NÃO, proferido em 1961, certamente fez com que fosse mudada a historia do Rio Grande do Sul e, quiçá, do Brasil.
Nessa história estariam inseridas a minha vida, logicamente, e as vidas de minha família, demais parentes, de amigos, de toda a nação e, muito mais, a vida do povo que vivia neste rincão do Brasil.
Vejam as notícias: Até a Marinha mandou um contingente, cujo desembarque deveria ocorrer em Torres; mas (até com a ajuda de São Pedro) o mau tempo impediu essa manobra.
Então, o risco que eu corri não foi pequeno.
Poderia ter levado um balaço ou uma rajada!! Tudo bem(?)
Mas, e o futuro?
O que seria de todos? O que teria acontecido ao nosso BRASIL, caso tivéssemos um banho de sangue?
Certamente, iríamos para uma revolução fratricida.
VALEU!!! MAS VALEU MESMO!!!!
A IRONIA: 30 dias antes de nossa “rebelião”, foi publicado, em Boletim Interno da Base Aérea, o seguinte texto:
ELOGIO INDIVIDUAL: A 27 Jul 61, foi público haver sido aprovado o elogio consignado pelo Maj Av CASSIANO PEREIRA, Comandante do 1º/14º Grupo de Aviação, nos seguintes termos:- É com grande satisfação que este Comando se manifesta para louvar a capacidade profissional e o comportamento do SO Q AT PA CAETANO ANGELO VASTO, por ter permitido ao 1º/14º Grupo de Aviação se desincumbir com sucesso das missões que lhe foram atribuídas durante as manobras da EAOAr, na Base Aérea de São Paulo, e alcançar média significativa por ocasião da instrução de tiro terrestre do corrente ano, na Base Aérea de Santa Cruz.
Passados 50 anos dos acontecimentos, qual o julgamento correto?
Teríamos nós empanado, deslustrado, o brilho e a existência do nosso glorioso e querido Esquadrão, o 1º/14º GAv?
Vão contestar nossas atitudes?
Pois, Eu digo, por todos os meus Companheiros:
“NÓS EVITAMOS QUE O GLORIOSO 1º/14º TIVESSE HOJE UMA GRANDE NÓDUA DE SANGUE; SANGUE DE NOSSOS IRMÃOS. E A HISTÓRIA SERIA BEM DIFERENTE DA QUE ESTAMOS VIVENDO. CUMPRIMOS NOSSO DEVER, (vejam o que estava reservado à esse pequeno grupo de homens, tamanha missão para com nossa Pátria?) RESPEITANDO A CONSTITUIÇÃO, EVITANDO UMA REVOLUÇÃO FRATICIDA, FAZENDO COM QUE FOSSE DADA POSSE AO LEGÍTIMO HERDEIRO DO CARGO DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA - O SR. JOÃO GOULART.”
ENTÃO, DEVER CUMPRIDO!!!
Após juntar todos os rabiscos e anotações daquele episódio de 1961 vejo (estamos em Fevereiro de 2011) que o Comandante da Aeronáutica, TENENTE BRIGADEIRO DO AR JUNITI SAITO, também foi, há um tempo atrás, Comandante do nosso Glorioso 1º/14º Grupo de Aviação.
Lembro, uma vez mais...
NADA É POR ACASO.
Até este momento da minha vida (e já são passados 50 anos) vi passar inúmeras gerações e fatos.
NADA MAIS ME SURPREENDE!





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