Capitalismo é filho da escravidão

Capitalismo é filho da escravidão

Historiador mostra o papel do trabalho escravo na acumulação do capital dos Estados Unidos

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O capitalismo não é produto da liberdade, mas da escravidão. A acumulação primitiva do capital nos Estados Unidos foi feita com o tráfico de africanos e a apropriação do trabalho deles. Para quem duvida disso, vai uma recomendação, o espetacular livro “A metade que nunca foi contada – a escravidão e a construção do capitalismo norte-americano (Paz e Terra), do historiador Edward E. Baptist. A obra foi escolhida pelo Daily Beast como um dos “melhores livros de não ficção do ano”. Se fosse aqui, o Jabuti, lento na sua percepção do que realmente conta, ignoraria tudo.

      Baptist desmonta cada um dos mitos sobre as origens do capitalismo nos Estados Unidos: “Acima de tudo, os historiadores de uma nação branca reunificada insistiam que a escravidão era uma instituição pré-moderna não comprometida com a obtenção do lucro”. Falso. Era lucrativa e praticada para lucrar. O capitalismo norte-americano é fruto de um roubo, o do trabalho dos negros escravizados. O do Brasil também. Baptist ampara-se em fartura de dados para dizer tudo: “Na verdade, durante a Guerra Civil, os nortistas estavam tão convencidos disso tudo que acreditavam que a troca da força de trabalho escravo pela força de trabalho livre aumentaria de maneira dramática a produtividade da cultura algodoeira. Não aumentou”.

      Durante 70 anos, caiu. O mito em construção exigia que o capitalismo fosse apresentado como o produto da liberdade. Depois de se alimentar da escravidão, o capitalismo negava-a para se dar ares de dignidade: “Os brancos senhores de escravos conseguiam forçar os imigrantes afro-americanos a colherem algodão com mais eficiência e rapidez do que fariam as pessoas livres”. A conclusão a tirar-se é tão óbvia quanto constrangedora: “Os afro-americanos escravizados construíram os Estados Unidos modernos e, na verdade, todo o mundo moderno, tanto de maneiras óbvias quanto ocultas”. Os livros escolares foram instrumentalizados para narrar uma história que negava o papel capitalista da escravidão.

      Edward Baptist mostra o que, modéstia deixada de lado, eu faço em “Origens do conservadorismo brasileiro: a abolição na imprensa e no imaginário social”. Ele ressalta o que só o racismo pode negar: “A partir dos mercados construídos sobre o trabalho e os corpos de pessoas escravizadas e da infraestrutura estabelecida para embarcar o produto para dentro e para fora, veio o crescimento econômico. Entretanto, a partir desse crescimento econômico não veio apenas a riqueza, mas também o poder político nos conselhos da nação”. A riqueza branca veio das mãos negras.

      Isso todo mundo sabe? Não parece. Baptist escreve com fluidez e emoção: “O trabalho forçado, que é a escravidão em tudo menos o nome, continuou a ser tremendamente importante para a economia mundial até o século XXI”. O livro de Baptist é o resultado de muitos anos de pesquisa. Ele não ensina a amar a pátria acima de tudo. Há um valor que lhe parece bem mais elevado: a humanidade. Acima dos preconceitos e do lucro.

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Hoje, o mundo universitário acenderá suas luzes contra o bolsonarismo.


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