Carlos Araújo, militante das ideias

Carlos Araújo, militante das ideias

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Nos últimos anos, na labuta de jornalista e historiador, tive a satisfação de certa aproximação com o grande Carlos Araújo, que infelizmente se desfiliou deste mundo nesta madrugada. Araújo era um gentleman que adorava receber pessoas e trocar ideias. Jantei na casa dele, falamos muitas vezes ao telefone e, junto com Taline Oppitz, pude entrevistá-lo no Esfera Pública, na Rádio Guaíba, algumas vezes. Em certos aspectos, ele me lembrava outro homem de quem fui amigo: Décio Freitas. Araújo e Décio eram grandes causeurs. Sabiam entreter uma boa conversa, tinham teses, desenvolviam ideias, opinavam com firmeza, mas sem raiva ou qualquer agressividade.

Aprendi a admirar Carlos Araújo pela sua gentileza, pela sua generosidade, pelos seus ideais e pelo afeto que gratuitamente parecia me destinar. Acima de tudo, desde antes de conhecê-lo, eu o admirava pelos seus atos de juventude. Admiro todos aqueles que tiveram desprendimento e coragem para ir às últimas consequências na luta contra a ditadura. Se eu fosse adulto nos anos de chumbo teria gostado de fazer o mesmo que Araújo e tantos outros. Talvez me faltasse coragem. Depois, olhando para trás, poderia até considerar equivocada a estratégia. No calor da repressão, porém, fez-se o que deveria ser feito como gesto radical de rejeição ao arbítrio ou de crença, que jamais tive, mas que naquele imaginário certamente teria, numa sociedade melhor pelo caminho da revolução segundo o marximo.

Admiro os valentes como Araújo, os utopistas, os sonhadores, os estudiosos de outras possibilidades de organização social, os que em algum momento apostaram na construção de um mundo melhor e até mesmo no melhor dos mundos. Carlos Araújo poderia dizer como Pablo Neruda: “Confesso que vivi”. Foi de uma geração que ousou, arriscou, perdeu e ganhou, mas não ficou de braços cruzados. Contaram-me que a ex-presidente Dilma, com quem Araújo esteve casado por muitos anos, o encontrou comendo pizza e tomando vinho pouco antes de ser hospitalizado. Não sei se é verdade. Mas seria bem dele. Por que não ter os últimos prazeres quando se sente próximo do fim? Eu admirava a admiração de Araújo por Dilma e sua lealdade a ela. O fim do casamento ao que parece não afetara a parceria intelectual e política. Carlos Araújo era de uma cepa meio que em extinção: a dos gentis combativos.

Conversar com Carlos Araújo era ter a oportunidade de aprender sobre o passado, sobre o presente e sobre o futuro. Ela fazia análise de conjuntura com ar de comentar um bom jogo de futebol sem pretensão ainda que com imenso conhecimento técnico e tático. Mesclava racionalidade certeira, senso de humor, capacidade de projeção e cultura. Tinha excelente memória, grandes lembranças, história e histórias para narrar. Citava autores fundamentais sem pedantismo nem, intenção de impressionar. Conheci Brizola. Conheci Araújo. Pena que não tive a oportunidade de ouvi-los juntos. Fico imaginando um papo entre Araújo, Brizola e Décio. Que espetáculo! Uma grande geração.

Carlos Araújo partiu num momento conturbado do país. Condenou o golpe que retirou Dilma do poder. Via manobras udenistas típicas da sua mocidade ressurgirem. A “Banda de Música” udenista que infernizou Getúlio Vargas voltou com o DEM e o PSDB, com o PMDB no papel do PSD, para desafinar e impor o seu ritmo. Não viu surgir um panfletário inescrupuloso, mas brilhante, como Carlos Lacerda. Os seus epígonos, em blogs e revistas, são todos medíocres. Araújo sai de cena. Alguém, mais pessimista, até poderia dizer: “Não perde nada”. Não era esse o espírito dele. Foi-se um bravo, um militante de ideias, um personagem.

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