CarnaGlau no Fon Fon

CarnaGlau no Fon Fon

Glau Barros comanda festa

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      Precisamos de rituais, pequenas tradições e encontros mobilizadores. Por alguns anos, tive a impressão de que o carnaval se perdia numa bruma indevassável. Estava preso às lembranças dos bailes da minha adolescência. Por toda parte me diziam que aquele carnaval das marchinhas e dos salões não existia mais. Ao chegar em Porto Alegre, tinha ido a bailes como o do Vermelho e Branco e de clubes como Petrópolis e Teresópolis. Sem contar, o carnaval de rua da Santana. Tudo isso parecia sepultado. De repente, as ruas da capital gaúcha voltaram a ter blocos e uma animação muito livre retornou para ficar.

      Todo ano, no Café Fon Fon, no Bom Fim, a cantora Glau Barros comanda um carnaval que mescla o passado e o presente, marchinhas saudosas, performances atuais, show e gente conhecida de muitas idades recuperando algum tempo perdido ou simplesmente reencontrado. Glau canta muito e faz parcerias com outras feras como Gélson Oliveira e Gil Collares. No espaço do bar transformado em salão sacodem-se políticos, jornalistas, artistas, professores e quem mais quiser. A educadora Esther Grossi ganhou o prêmio de melhor fantasia desta edição 2020.

      Até eu me vi, no meu ritmo muito próprio, quase parado, mas me sentido altamente eletrizado por dentro, embalado por velhos refrãos do tipo “bandeira branca, amor, eu peço paz” e “quanto riso, oh, quanta alegria”. Sim, a saudade me invadia, mas, ao mesmo tempo, encontrava uma satisfação, uma resposta, uma realização. É muito provável que dentro de alguns anos, quando minhas pernas não aguentarem mais, eu me lembre com saudades do tempo que passou nas noites do CarnaGlau, os bailes da Glau Barros no Fon Fon, vendo meus parceiros de uma vida, como o Luís Gomes, fantasiado de Elton John, ou quem sabe de Pedro Almodóvar, o Celso Dias exibindo parcimoniosamente o seu talento natural para o samba e a Cláudia fantasiada de ativista radical.

      Na juventude, quatro noites de bailes não aplacavam minha fome de encantamento. Hoje, algumas horas no CarnaGlau me enchem de uma energia vitalista e barroca. Num carnaval sob medida, com o tamanho certo para quem já não pensa em conquistar o planeta, perto de casa, ao qual ainda se pode ir caminhando, misturam-se como nos eternos folguedos de Momo a brincadeira, a alegria, a crítica política e social, as paqueras e até os discursos que se esfarelam no ar feito fogos de artifício. Por cima de tudo e de todos, a voz maravilhosa de Glau revivendo festas.

      Este carnaval de proximidade, de camaradagem, de abraços e de confidências impossíveis de ouvir, de talentos e lindas vozes, este carnaval tão nosso me faz pensar que talvez eu já tenha dito parte do que estou falando agora, pois estas emoções que se repetem a cada ano tendem a me fazer soltar o mesmo grito inaudível de deslubramento. O CarnaGlau já tem sua história, já faz parte de uma história, essa crônica da vida numa cidade que ainda pode ser chamada de nossa. Talvez em 2050, ou numa data aproximada, pensando no CarnaGlau, eu cante silenciosamente: “Pela saudade que me invade eu peço mais”. E mais.


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