Carta da minha tia

Carta da minha tia

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Minha tia, a traíra que me trocou pelo David Coimbra, ainda escreve cartas.

Coisa mais antiquada.

Eu a denunciei por não ter ido às minhas sessões de autógrafos na Feira do Livro, apesar de eu ter prometido transporte e lanche se ela levasse as amigas.

Irritada, ela me escreveu.

Publico aqui a missiva:

"Não fui mesmo te ver na feira, cansei de pagar orangotango pra te salvar de mico, resolvi apostar no David, que usa gel no cabelo, tem fila grande e fica cheio de gatinhas em roda dele. Não que eu goste de gatinhas, mas isso indica o quanto ele é poderoso e eu gosto, mesmo estando já no recesso, de homens com poder.

O teu problema é essa mania de ficar criticando o Paulo Coelho e a televisão. Quantas vezes eu já te disse pra largar dessa cachaça, mudar o visual, arrepiar os cabelos, usar calça com rasgões nas pernas, fazer tatuagem, te modernizar, ficar mais assim, compreende?, mais assim tipo Carpinejar? Ai, que gatão! Ui!

Tu tá meio Paulo Santana, meio Verissimo, meio Ostermann, esses dinossauros todos. Tá mais que na hora de mudar, já te falei. Vira o jogo, sobrinho, dá uma de Neymar, aparece na praça com o visual do Neymar, bota fogo no circo, larga esse look retrô sem ser retrô fashion. Para de escrever sobre Getúlio, Jango, Brizola, essas velharias da história, volta a falar de sexo, drogas e funk. Emoções baratas, entende? Emoções.

Fica um pouco mais Mario Quintana. Dá respostas rápidas aos que pisam nos teus pés. Tu tá muito mole, sem pegada, sem atitude, levando sem devolver. Assim não dá. Te larguei. Fui. Nem com ônibus, nem com lanche, nem com espumante, não dá mesmo, minhas amigas querem mais definição, tu fica na cara do gol e mete pra fora. Não aparece no Jô, não sai na Folha, não ganha espaço na Veja, tu já era, sobrinho.

Pouco me importam teus presentes de Natal (aqui entre nós, sempre passei adiante), tô noutra. Quer saber mesmo, paguei o ônibus e o lanche pra levar minhas amigas na sessão de autógrafos do David.

E viajamos ao interior para ver uma perfomance do Carpinejar.

Sobrinho é parente, por isso precisa ouvir algumas verdades.

Só volto a entrar em tuas filas depois de um jabuti.

Pensando bem, tu mereces um jabuti, pois viraste uma tartaruga.

Digo isso tudo pelo teu bem.

Saudações tricolores!"

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