Carta de Palomas sobre modelos de gestão

Carta de Palomas sobre modelos de gestão

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Recebo uma carta de Carlos Marques Smith. Durante muitos anos, ele foi economista na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, baseado no Uzbequistão. Depois, converteu-se ao liberalismo e foi morar no Texas. Agora, está exilado em Palomas, onde tenta uma fusão das ideias de Karl Marx e Milton Friedman. Carlos, também conhecido como Carlitos das Estatísticas, tem estudado os modelos de gestão pública no Brasil. Depois de reflexões exaustivas, concluiu que dois modelos se alternam: no primeiro, endivida-se o ente público para prestar os serviços esperados pela sociedade. No segundo, tenta-se sanear o organismo público mesmo que para isso se tenha de cortar os serviços ou torná-los mais precários. No primeiro, também conhecido como sistema empurra com a barriga, Estado pode dever. No segundo, apelidado de modelo lipoaspiração, a contabilidade é determinante.

Carlinhos das Estatísticas sonha com o Nobel de Economia. Toma chimarrão de manhã e de tarde. Não dispensa um copo de leite tirado na hora e uma taça de vinho produzido na região. Prepara o livro que promete revolucionar a gestão pública: um modelo que consiga sanear as finanças sem deixar de entregar e melhorar os serviços esperados por quem paga impostos. Carlinhos é impiedoso. Para ele, governar endividando é fácil, mas tem um problema: chega o dia em que não há mais espaço para tomar novos empréstimos. Por outro lado, considera que governar cortando gastos à custa de serviços também é fácil, embora mais antipático, com outro pequeno problema: chega o dia em que o Estado fica bem, mas a sociedade está mal. Carlinhos não acredita no Estado total. Nem no Estado mínimo. É homem de fusões e de infusões. Não dispensa um chá de carqueja nem uma sauna gaudéria.

Os políticos, segundo Carlinhos, transformados em gestores, procuram dinheiro de fácil acesso. Uns vendem os móveis e os imóveis para tocar as contas do dia. Outros tiveram na inflação um mecanismo de criação artificial de recursos. Outros, ainda, de partidos diversos, encontraram nos depósitos judiciais um manancial de bufunfa. Por fim, os mais furiosos adotaram a dieta radical: fechar a boca para não engordar ou cortar quase todos os serviços para não gastar. O Estado fica enxuto. A sociedade entra em síndrome de abstinência. Carlinhos propõe que cada candidato tenha de apresentar aos eleitores uma proposta capaz de conciliar arrumação da casa com manutenção dos serviços sem perdas salariais para os funcionários.

– Aí é que a porca torce o rabo – diz, citando Adam Smith (ou Marx).

O homem é assim: tudo ou nada. Mas com equilíbrio. Carlinhos gosta de paradoxos. Detesta CCs e gostaria de cortar todos ou mandá-los se coçar num pé de tuna (é uma das suas obsessões). Ao mesmo tempo, sustenta que tentar resolver déficit de Estado cortando CCs é demagogia ou ingenuidade. Mesmo cortando todos com uma navalhada só (mostra a navalha e chega a salivar), explica, entre duas chupadas na bomba, não faz cócegas nas contas combalidas. Carlinhos não é candidato (salvo ao Nobel). Só será se tiver a solução para o enigma.

 

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