Caso João Alberto

Caso João Alberto

Indiciamento é aula de sociologia aplicada

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      Vale retomar este tema que tem chocado o mundo. A Polícia Civil indiciou seis pessoas pelo assassinato de João Alberto, de 40 anos, no Carrefour da Zona Norte de Porto Alegre. A delegada Roberta Bertoldo mostrou firmeza, grande capacidade de exposição do caso e sintonia com a sensibilidade social em expansão. Disse que não se localizou injúria racial – qualquer insulto proferido em relação à cor da pela da vítima –, mas que se vê no ocorrido as marcas do racismo estrutural.

Roberta Bertoldo fez observações dignas de um doutorado em sociologia: "Nós fizemos uma análise conjuntural de todos os aspectos probatórios e doutrinários e concluímos, portanto, que o racismo estrutural, que são aquelas concepções arraigadas na sociedade, foram, sim, fundamentais, no determinar da conduta dessas pessoas naquele caso. Sejam elas, de que cor forem, já que, entre os seis, existiam também pessoas negras, e, portanto, tiveram também a mesma forma de comportamento. Ou seja, arraigado dentro do seu íntimo, concepções já antigas de discriminação por conta não só da sua cor de pele, da cor de pele da vítima, no caso. Mas também pela sua condição socioeconômica. Nós entendemos que uma outra pessoa estando naquele momento, naquele lugar, poderia ter um tratamento diferenciado".

            Os acusados foram indiciados por homicídio triplamente qualificado, por motivo torpe, asfixia e recurso que impossibilitou a defesa da vítima. Não foi constatada nenhuma conduta ilícita de João Alberto no supermercado no dia da sua morte. Os exames não encontraram álcool ou drogas no seu organismo. Nos depoimentos, funcionária fala em “olhar agressivo” de João Alberto e numa palavra dita por ele que não conseguiu entender. Lê-se no relatório: “Na análise de um fato criminoso não podemos trabalhar com hipóteses e nem com o ‘e se”’. Devemos trabalhar com o fato concreto. No entanto, as conjecturas vêm à análise na medida em que o motivo também se centra em conceitos pré-concebidos e que estão no inconsciente das pessoas, mas que determinam condutas disparadas automaticamente, sem que se possa parar e pensar sobre elas. Todos têm concepções internamente assimiladas ao longo da existência e que instintivamente são ativadas por gatilhos mentais”.

Mais: “Nesta linha de raciocínio trazemos à tona o tema do racismo estrutural que, segundo discorre Sílvio Almeida, ‘independente de nós aceitarmos ou não, constitui as relações no seu padrão de normalidade’. De acordo com o autor, “a noção de racismo estrutural coloca que o racismo não é algo anormal, é algo normal”.

Enquanto o inquérito acontecia, nas redes sociais tentava-se desqualificar de todos os modos a vítima, que teria provocado a reação dos seguranças com gestos e atos. A delegada sepultou essas artimanhas: “Ninguém, nenhuma testemunha soube explicar que gestos foram esses, que palavras foram ditas (...) Portanto, se nós não conseguimos identificar, que ação foi essa de João Alberto que mereceu todo esse olhar e mobilizou uma equipe de segurança, inclusive por meio do monitoramento de mais de 100 câmeras dentro do supermercado?"

Só não viu racismo estrutural no caso quem quis ou quer tapar o sol com peneira.

 

 

 


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