Cem dias de confusão

Cem dias de confusão

Dez micos do governo

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Jair Bolsonaro já chegou aos cem dias de governo. Diz-se que a partir daí termina o tempo de espera e de tolerância com os erros. Segundo a última pesquisa Datafolha, Bolsonaro tem o pior desempenho da história entre presidentes em primeiro mandato. O que se viu até agora? Polêmicas, confusões, disputas internas, inação e dois ministros demitidos. O governo parece dividido entre os ideológicos e os pragmáticos. O mais interessante é que os pragmáticos são os militares. Seria uma democracia liberal hipermoderna: governo de militares “aposentados” com salário da ativa?

      Três ministros deitaram e rolaram na ala dos ideológicos: Damares Alves (Família), Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Vélez Rodrígues (Educação). O colombiano, como o pato pateta, tantas fez que foi para casa mais cedo. Já o condutor da política externa arranjou briga com os árabes, para desespero do agronegócio, e chamou a atenção do mundo ao insistir que o nazismo era de esquerda. Damares ficou mais discreta depois da declaração retumbante de que menino veste azul e menina veste rosa. Nestes cem dias, que podem parecer uma eternidade, o vice-presidente da República, general Mourão, roubou com calma a cena e virou protagonista.

      A ala ideológica tem como líder o polemista de extrema-direita Olavo de Carvalho, que tenta organizar, sem sair de casa, o Foro de Richmond, uma espécie de Internacional Neoconservadora. A ala pragmática tem em geral muitos generais. Tudo gira, por enquanto, em torno da reforma da Previdência, que se enrosca no Congresso Nacional. O ministro da economia, Paulo Guedes, entrou no time como quadro técnico, já foi improvisado como articulador político na Câmara dos Deputados, onde acabou chamado de “tchutchuca”, respondeu com “é a mãe, é a vó” e passa por reciclagem para não jogar tão aberto. Em cem dias, o governo fez a alegria dos humoristas e tomou o lugar da oposição. Bolsonaro, em pouco mais de três meses, elogiou os ditadores Stroessner e Pinochet, abriu escritório comercial em Jerusalém e abraçou-se com Donaldo Trump. Deu muito. Recebeu pouco.

      A situação pede calma. Diz que é pouco tempo para avaliar, que só está começando. A oposição sugere que o pior está por vir. Qual o maior problema? Bolsonaro elegeu-se atacando a corrupção e o excesso de ideologia. Até agora, porém, mantém no cargo o seu ministro do Turismo, na mira da justiça sob suspeita de ter feito um laranjal nas eleições. Tapou com a peneira o sol que esconde o caso Queiroz no Rio de Janeiro. A ideologia corre solta. O defenestrado ministro da Educação queria mudar os livros didáticos para contar a história do golpe de 1964, que Bolsonaro nega, de outra maneira. Pensou também em obrigar crianças a repetir na escola, sendo filmadas, o slogan da campanha do capitão. Não rolou.

      O governo patina. Em nome de uma “nova política”, sem muita definição, Bolsonaro recusava-se a negociar com os partidos, sempre sedentos de cargos, mas já sentou até com Romero “com STF com tudo” Jucá. O mercado impacienta-se. A bolsa sobe e desce. Anuncia-se o apocalipse se a Previdência não for mudada. Enquanto isso, o povo. Bem, o povo rumina.

Dez micos em cem dias (fora da ordem cronológica):

1) Damares Alves, na largada, diz que "menina veste rosa, menino veste azul";

2) Veléz Rodriguez, ministro da Educação indicado pelo guru do regime, Olavo de Carvalho, pede que crianças sejam filmadas cantando o hino nacional e recitando o slogan da campanha eleitoral de Jair Bolsonaro;

3) Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores, afirma que nazismo era de esquerda; Bolsonaro, na saída do Museu do Holocausto, em Israel confirma. Alemanha e Israel negam.

4) Ministro, já demitido, da Educação propõe mudar livros da história para contar que não houve golpe em 1964 nem ditadura no Brasil;

5) Ministro do Turismo, apesar de acusado de laranjal eleitoral, continua no cargo;

6) Paulo Guedes, ministro da Economia, vai à Câmara dos Deputados defender a reforma da Previdência e é chamado de "tigrão" com os pobres e "tchutchuca" com os privilegiados; responde em alto estilo "é a mãe, é a vó";

7) Bolsonaro diz que holocausto até pode ser perdoado (sic), mas não esquecido;

8) Ministro Bebbiano, homem de confiança de Bolsonaro na campanha eleitoral, é demitido por pressão do filho do presidente, Carlos, que comanda uma guerrilha nas redes sociais;

9) Oposição pergunta diariamente: "Cadê o Queiroz?". Referência ao faz-tudo do agora senador Flávio Bolsonaro. Movimentações atípicas na conta bancária de Queiroz levantaram a suspeita de um esquema de mordida nos salários dos funcionários de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.  Queiroz nunca foi depor pessoalmente ao Ministério Público. Fugiu, escondeu-se, adoeceu, foi operado, mandou explicação por escrito e continua escafedido;

10) Exército dispara 80 tiros e mata um músico na frente do mulher e do filho, no Rio de Janeiro. Bolsonaro diz que Exército é do povo e que não matou ninguém.


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