Cem dias de fake news oficiais

Cem dias de fake news oficiais

Governo continua mergulhado na sua ficção

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Depois de cem dias, o governo Bolsonaro ainda não saiu do twitter.

Caíram dois ministros. O primeiro foi derrubado por um filho do presidente. O segundo, o da Educação, por sua incompetência. O substituto desconhece a matéria e é mais ideologizado.

Resumo de uma temporada no labirinto.

O ministro das relações exteriores afirma e reafirma que o nazismo era de esquerda. Alemanha e Israel negam. Especialistas riem ou espantam-se com o absurdo da afirmação. O presidente da República, depois de visitar o Museu do Holocausto, em Israel, local de memória e homenagem aos seis milhões de judeus mortos pelo nazismo, confirma a tese do seu ministro. Foi como se dissesse que os seis milhões de mortos foram vítimas dos comunistas. Desaparece o papel da União Soviética, com 26 milhões de mortos, na vitória sobre o nazismo. O Museu do Holocausto contradiz a tese sustentada pelo bolsonarismo, que persiste. Dane-se o mundo com suas certezas.

      Em casa, o ministro da Educação, agora defenestrado, pretendia que os livros didáticos fossem alterados para conter uma nova versão da história recente do país. Deveriam informar que em 1964 não houve golpe e que o regime implantado não foi uma ditadura, mas um “regime democrático de força”. Como não chamar de golpe a deposição com tanques nas ruas de um presidente legítimo e em território nacional? Como não chamar de ditadura um regime que cassou arbitrariamente mandatos parlamentares, prendeu e condenou sem o devido processo legal, torturou, matou, acabou com o pluripartidarismo, fechou o Congresso Nacional, impôs a censura, eliminou as eleições diretas para governadores e presidente da República e manteve o poder nas mãos de militares por 21 anos? O ministro da Educação foi demitido. A bajulação não o salvou.

      Entramos em nova era, a das novas verdades sob encomenda dos narradores interessados e interesseiros. O ministro da Economia pretende aprovar um regime de aposentadoria por capitalização que não existe em qualquer país capitalista desenvolvido, democrático, bem-sucedido. O seu modelo é o Chile do ditador Augusto Pinochet, de sangrenta memória, onde a experiência se traduz em idosos ganhando menos do que o salário mínimo nacional. Mas ele acha que esse é o futuro. O mundo, inclusive os Estados Unidos da América, pratica o passado do sistema de repartição baseado na antiga solidariedade. Esses americanos não deixam de ser comunistas.

      O intelectual do regime teoriza que a Terra não orbita em torna do Sol. Contesta até Einstein. Promove uma lavagem cerebral pelas redes sociais. Cauciona a ideologização da política externa e da educação. Nenhum especialista em filosofia, nenhum cientista, ninguém no mundo da pesquisa leva Olavo de Carvalho a sério. Nenhum especialista em Aristóteles tem Olavo de Carvalho como referência por uma simples razão: o guru da extrema-direita, líder do Foro da Virgínia, não tem ideias originais ou que passem no crivo do rigor científico. É mais um comentador. Para chamar a atenção, abraça teses disparatadas. Graças à internet, faz adeptos. Quanto mais reforça preconceitos, mais se fortalece. A intelectualidade teme os seus insultos e não quer discussão para não lhe a dimensão que não possui.

      Será que vai triunfar a filosofia ignorancialista e a pedagogia do opressor? Quando se vai sustentar que o AI-5, de 13 de dezembro de 1968, não endureceu a ditadura, mas nos salvou da contracultura, dos hippies, da Bossa Nova, do tropicalismo e de maio de 68? É pra já!?

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Enquanto isso, em Porto Alegre, mesmo já existindo lei permitindo adotar uma praça ou um parque, vota-se na Câmara Municipal um projeto que pode privatizar espaços públicos por tempo determinado. Diz-se que a inspiração é o Central Park, mas o modelo é bem diferente. Duas emendas radicalizam: uma quer fechar parques sem o plebiscito previsto em lei. Outra, quer usar de forma privativa espaços públicos cobrando ingresso. A população parece desatenta.


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