Choque de culturas

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Olhar estrangeiro





Lancei há dois meses meu livro “Um escritor no fim do mundo – viagem com Michel Houellebecq à Patagônia”. Saiu pela Record, a maior editora brasileira, uma potência que me publica desde “Getúlio”. “En Patagonie avec Michel Houellebecq” saiu na França (CNRS Éditions) no final de setembro. L’Express, a mais importante revista semanal de lá, deu logo três páginas. A mesma matéria saiu na edição belga. Le Nouvel Observateur, a revista da esquerda caviar, também deu resenha. Le Figaro Littéraire, referência em literatura, derreteu-se, “livro picante, cheio de observações engraçadíssimas e de considerações eruditas”, com “confidências apaixonantes sobre o mundo e a vida, a arte e a religião, o sexo e o amor, a esperança e o desespero, sem esquecer os pinguins, os lobos-marinhos e todos os animais observados no universo das geleiras azuis da Terra do Fogo”.

Segundo o resenhista, uma “dérive poétique”. Coisa muito fina.

Christophe Bourseiller, no mais charmoso programa cultural de Paris, veiculado na Radio France, escolheu meu livro como seu “coup de coeur” (aquele que lhe foi direto ao coração, o predileto da vez). Derramou-se em elogios falando dos diálogos com Houellebecq: “Entre verdades graves sobre literatura, sobre seu trabalho de escritor ou sua fé na ciência, o leitor descobrirá suas observações cheia de humor comparando as qualidades de lobos-marinhos e pinguins. Mas, também, em meio a silêncios evocativos, algumas confidências inéditas. Nas entrelinhas é um Houellebecq íntimo e inesperado que se revela”.

Esse era o objetivo da obra. Fazer falar o escritor reservado e tímido. Narrar uma fatia de vida. Captar um instante da existência de um homem vigiado pelas câmeras e cobrado a cada instante. Há pouco, Houellebecq passou alguns dias retirado.

Foi logo dado como desaparecido. Felizmente está bem e em atividade.

Bourseiller foi definitivo sobre meu livro: “Uma narrativa antológica, sob o signo de Magalhães, de Jorge Luis Borges e de Bruce Chatwin, que dará prazer aos leitores do Prêmio Goncourt 2010 e aos apaixonados pela Patagônia”. Preciso repetir: uma narrativa antológica. Definição de antológico: lindo, exemplar, inesquecível, memorável. Um jornalista não deve escrever “eu”.

Um escritor não deve ficar falando dos elogios que lhe fazem. É feio ser narcisista e megalomaníaco. Não se deve perder tempo com literatura quando há tantos problemas sociais sem solução no país da Copa do Mundo de 2014.

É preciso reservar todo espaço para explicar a diferença entre o PSD e o PMDB. Por que não vou embora para a França se gosto tanto dos franceses e eles de mim?

Tudo isso pode ser verdade. Mas não posso esconder coisa alguma dos meus leitores.

Muito menos esse olhar estrangeiro distanciado, objetivo, cristalino e elegante.

Todo aquele que sonha em ser escritor deveria ler meu livro.

É uma reflexão leve e divertida sobre a paixão por escrever. Por quem alguém escreve? É isso que Michel Houellebecq e eu, entre vinhos tintos, pinguins, geleiras azuis, músicas e longos silêncios, tentamos entender.

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