Colaboração paralela

Colaboração paralela

Lava Jato queria repassar valores para o exterior

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      Uma das grandes questões jurídicas do momento, que pode afetar o passado e o futuro da Lava Jato, diz respeito à possibilidade de ter havido a chamada colaboração paralela entre os procuradores e organismos estrangeiros. O ministro do STF Ricardo Lewandowski deu cinco dias para o Ministério da Justiça, que tem a atribuição de fazer tais acordos, dizer se a colaboração praticada foi oficial ou não. Uma pista para entender o que aconteceu pode estar numa ação julgada pelo TRF-4, em Porto Alegre. A relatora foi a desembargadora Vania Hack de Almeida. A documentação é pública. Julgava-se a validade de um acordo de leniência firmado pelo Ministério Público Federal com a Odebrecht. Decidiu-se que o MPF não tinha poderes para tanto, sendo da Controladoria Geral da União (CGU) a competência para tanto.

No meio da papelada há um elemento que chama a atenção: a Odebrecht comprometia-se a devolver determinado valor parcelado, o que foi considerado inferior aos prejuízos causados e que seria, quando da homologação do acordo na instância adequada, aumentado. Pelos acordos de leniência o acusado negociava um alívio para as suas faltas em troca da devolução do que havia surrupiado. O dinheiro deveria reverter para os cofres da União. Mas os procuradores pareciam não entender assim. Ao menos é o que indica a leitura do material.

O parágrafo 1º da cláusula 7ª do acordo previa que partes dos valores globais recuperados seriam “disponibilizados ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América (Department of Justice) e à Procuradoria-Geral da Suíça (Office of the Attorney General of Switzerland)”. Mais: os valores seriam “distribuídos conforme determinação do Ministério Público Federal em conjunto com tais autoridades”. Seguiam-se os critérios da distribuição: aos Estados Unidos seriam transferidos valores em dólares até 30 de junho de 2017, “sendo deduzido do Valor Global a taxa de conversão do dia do pagamento”. O que estava sendo pago? O Ministério da Justiça sabia?

     

A Odebrecht comprometia-se a pagar, em valores corrigidos por baixo, mais de oito bilhões de reais. Pode o MPF demonstrar que toda essa negociação com suíços e americanos estava sendo feita pelos canais oficiais? Por que está escrito que os valores seriam distribuídos “conforme determinação do Ministério Público em conjunto com tais autoridades?” Parece um entendimento direto entre MPF e organismos estrangeiros de cooperação envolvendo recursos. Pode o MPF definir a destinação de recursos pertencentes à União? O desembargador Rogério Favretto apresentou voto complementar ao da relatora. Anotou: “Ainda, mais grave é que parte dos valores pactuados pelo MPF, a título de ressarcimento aos prejuízos causados pelo Grupo Odebrecht à União não são revertidos a esta”, mas aos organismos estrangeiros já citados. Para ele, no voto dado, havia violação “à própria soberania nacional”. Está o STF atento a esse detalhe perdido num processo?

Seria esse aspecto uma confissão de colaboração autônoma do MPF com organismos internacionais que lhe repassaram informações? A ver.


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