Collor e Calheiros em cores

Collor e Calheiros em cores

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      Na semana passada, no Esfera Pública, na Rádio Guaíba, Taline Oppitz e eu, entrevistamos o senador Fernando Collor. Noutro dia, Renan Calheiros. Foram conversas interessantes. Fiquei com a impressão de falar, no caso de Collor, com um algoritmo. Imediatamente parte da mídia carioca e paulista fez o que sempre faz: ligou para o entrevistado, fez as mesmas perguntas, obteve as mesmas respostas e comemorou o seu “furo” jornalístico. Ninguém é mais bairrista no Brasil do que cariocas e paulistas. O bairrismo carioca se expressa pela ideia de que o Rio ainda é o centro do país. O bairrismo paulista aparece na pretensão caipira de ser cosmopolita.

A conversa com Fernando Collor é que interessa. O homem foi apeado do poder acusado de corrupção. Acabou absolvido, por falta de provas, no Supremo Tribunal Federal. Comenta o passado como se não tivesse qualquer ressentimento. Derrubado em parte pela eficácia da militância petista, na época no papel de baluarte da ética, Collor sustenta que Lula está sendo vítima de perseguição judicial e de uma armação política. Será que em alguma madrugadas ele morde o travesseiro para aliviar a mágoa? O tempo do sofrimento passou? O senador alagoano brinca de ser candidato à presidência da República. Chegou a desistir. Retomou a pré-candidatura. Morde e assopra. Vai ser candidato de fato? Sabe-se lá. Ele mesmo não parece preocupado com isso.

A suposta plataforma eleitoral de Collor agrada a muitos: liberdade de iniciativa e diminuição do tamanho do Estado. Ele aproveita a visibilidade passageira para garantir que no seu curto governo abriu o Brasil ao mundo. Eu ouvia Collor falar, discorrer, argumentar, com sua voz de senador, e me perguntava: que homem é esse? Quando ele caiu eu morava na França. Torci muito pela sua queda. Hoje, acho que ele foi golpeado. Um golpe que contou com a quase unanimidade dos partidos políticos, da mídia e da população brasileira. Por golpe entendo os pretextos arranjados para derrubar presidente sem maioria parlamentar. Collor admite que menosprezar o Congresso foi o seu erro. Dilma também sabe que se descuidou nesse quesito.

Perguntei a Collor se ele e Dilma Rousseff foram golpeados. Ele fugiu da resposta e do termo. Preferiu focar a sua análise na relação com o parlamento. Cada vez que eu entrevisto alguém como Collor eu me digo: políticos não são seres humanos. Eles conseguem digerir o que um ser normal jamais seria capaz. Voltam à cena do crime para dizer que estão vivos. Acenam para a multidão como se jamais tivessem brigado. Dão lições de moral sem o menor constrangimento. Sobem ao palco para interpretar um novo papel, ainda que seja o deles mesmos. Parecem ter sete vidas. Que Collor foi esse com quem falamos? Collor 2, 3, 7?

Collor é um case para a psicanálise. No lugar dele, eu daria uma banana diária a cada um dos meus inimigos. Rosnaria para boa parte dos meus colegas. Viveria acertando contas. Não duvido que ela faça isso. Se faz, como disfarça bem? Em público, mostra-se um homem bem resolvido que segue em frente com altivez e desenvoltura. Chega a encantar ouvintes menos rigorosos. Um pouco mais e recebiam pedidos de perdão. Não lhe perguntei sobre mágoas. A resposta era óbvia: passou. Da conversa com Renan Calheiros, guardei uma anedota. Ele falava sem parar sobre o trabalho do jovem governador de Alagoas. Era jovem governador para lá e para cá.

– É o seu filho, senador – finalmente eu disse.

– Governador não tem pai – foi a sua resposta.

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