Collor sofreu impeachment?

Collor sofreu impeachment?

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A narrativa jurídico-política é cheia de pegadinhas, de teses, de leituras e releituras.

Há sempre uma carta na manga ou um coringa escondido na meia dos advogados e dos juristas.

É jogo de esconde-esconde. Jamais confie na última verdade de um doutor.

Todo mundo imagina saber que Fernando Collor sofreu impeachment em 1992.

O jornal O Globo diz: "No dia da votação, ele renunciou ao mandato. Na mesma data, o dia 29 de dezembro, Itamar Franco assumiu em definitivo a Presidência do país. E, por decisão do Senado (76 votos a 3), Collor acabaria cassado, sendo proibido de exercer cargos públicos por oito anos".

A wikipédia é lacônica, mas nem por isso incorreta: "Collor renunciou ao cargo, mas, com o processo já aberto, teve seus direitos políticos suspensos por oito anos, até 2000".  Terá esse verbete sido reescrito a pedido de Collor?

O parágrafo único do artigo 52 da Constituição Federal é claro como um rio de antigamente: "Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública".

Mas, como Collor renunciou horas antes do julgamento, ele não foi cassado? Apenas perdeu seus direitos políticos?

Não se poderia, logicamente falando, cassar um ex-presidente.

Quando um deputado renuncia, o processo continua. O deputado em questão é cassado.

É cassado ou tem seus direitos políticos julgados e retirados?

Cassar, num caso desses, não seria um exagero de linguagem, uma figura retórica?

No caso de Collor, o tema volta ao debate.

A votação foi separada? Votou-se apenas a segunda parte, a da perda dos direitos políticos?

O próprio Fernando Collor, em artigo para a Folha de S. Paulo, depois do impeachment de Dilma, relembra: "A maior abstração, contudo, foi o ato final das peças. Em 1992, minha renúncia separou as penas de destituição (perda do cargo) da inabilitação para função pública (perda dos direitos políticos). A resolução do Senado nº 101/92, resultante do processo, é clara: o impeachment ficou prejudicado pela renúncia, mas não a inabilitação por oito anos. Ou seja, o Senado agregou a penalidade, mesmo com a renúncia prévia que extinguiu o objeto do julgamento".

Jânio de Freitas, na sua coluna da Folha de S. Paulo, cita a leitura feita por Michel Temer, que se julga craque no assunto, em livro sobre o artigo 52 da Constituição: "O art. 52, parágrafo único fixa duas penas: a) perda do cargo; b) inabilitação por oito anos do exercício de função pública". Temer pontifica: "A inabilitação para o exercício de função pública não decorre de perda do cargo, como à primeira leitura pode parecer".

De onde ele tirou isso? Da Constituição é que não foi.

Vale repetir o artigo 52: "...limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública".

Em 1992, como em 2016, a Constituição foi desrespeitada.

Em 1992, para agravar. Em 2016, para aliviar?

O Brasil não tem dois presidentes cassados depois da redemocratização, mas apenas um?

O direito é uma ideologia para ser usada conforme a ocasião.

 

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