Compra de votos na ditadura

Compra de votos na ditadura

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Márcio Moreira Alves, o homem cuja ação levou ao AI-5, decretado em 13 de maio de 1968 pela ditadura, tinha o péssimo hábito de denunciar as contradições do regime nas páginas do Correio da Manhã antes que a censura tudo devorasse. Em artigo de 28 de novembro de 1964, mostrou como a UDN, uma espécie de MBL da época, entregara-se para o autoritarismo. No mesmo texto, chicoteou uma prática que seria considerada nova cinquenta anos depois: a compra de apoio de parlamentares. Vale a pena ler o seu texto.

“O comprador de votos do governo fora na véspera o ministro Cordeiro de Farias, senhor dos empregos e das verbas da SUDENE, da comissão do Vale do São Francisco e da SPVEA. Ontem foi o próprio presidente Castelo Branco quem se encarregou de mercadejar apoios, chamando mais de 20 deputados ao Palácio do Planalto. Acorreram, entre outros, a honrar o bezerro de ouro, os senhores Osvaldo de Abreu (que passara três meses ganhando em dólares na representação do Brasil junto à ONU, Gayoso e Almendra que, na reunião pessedista, fora dos mais vociferantes contra a intervenção, monsenhor Arruda Câmara, Euclides Wilcar (implicado no DNOCS do Ceará), Abraão Sabá (da refinaria de Manaus) e Pedro Zimmermann. Os deputados trabalhistas eram comboiados pelo senhor Teódulo de Albuquerque, baiano que segue a liderança do Sr. Manuel Novaes (da Vale do São Francisco). Familiar, não?

Havia mais: “Esse gênero de negociações era, antigamente, condenado com severidade pelos atuais revolucionários e mais especialmente pelos representantes udenistas. Convenhamos que em um governo que se diz nortear pela moralidade os métodos empregados para aprovar um projeto imoral não são dos mais recomendáveis. Em todo caso, conforme a experiência destes últimos oito meses demonstra, entre os pecados que se podem atribuir ao Presidente da República, certamente não se encontra o apego exagerado à palavra empenhada ou aos conceitos emitidos”. A história é tragicomédia.

Noutro artigo, de 1º de dezembro de 1964, Marcito provocava: “Finalmente, estão de parabéns o presidente Castelo Branco e a tortuosa ‘revolução’ que lidera. Derrubaram o Sr. João Goulart, cassaram o mandato do senador Juscelino Kubitschek em nome de uma moralidade que apontava, entre os principais crimes dos punidos, a corrupção da vontade do Legislativo. Não passou sequer um ano e já adotam as mesmas técnicas, usando os mesmos recursos...” Tudo se repetia como um mantra. Um homem que se atrevia a jogar isso na cara dos ditadores acabaria ferrado. Elementar.

Ele não cansava de lembrar que o principal argumento dos golpistas era só este: “Se eles vencessem seria muito pior”. Eles quem? Os comunistas. Marcito esbravejava: “Presos a um férreo espartilho mental, estes golpistas parecem esquecer que nem todos os brasileiros são imbecis”. Que tempos aqueles! Márcio destacava: “Foram presos relativamente poucos comunistas, enquanto as cadeias se enchiam de um exército de católicos, de brizolistas, janguistas, socialistas, camponeses da linha Julião, trotskistas e o mais”. Só fazendo greve de dança e sexo.

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