Conto: Rosa Vermelha

Conto: Rosa Vermelha

A revolução de uma mulher

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      Ela se chamava Rosa e adorava vestir-se de vermelho. Era chamada em Palomas de Rosa Vermelha. Nada sabia de política, mas achava Jango um homem bonito pelas fotos que vira numa revista ilustrada. Ainda não tinha 25 anos, embora a maternidade – quatro filhos – lhe desse uma gravidade que a fazia mais velha, o que era compensado pelo corpo rijo, o andar balançado e o olhar do fogo. Vicário, seu marido, dividia o tempo em várias fatias: o de comandar seus peões no cuidado das suas terras; o de passar as noites jogando cartas no bordel, onde aproveitava para se esbaldar com as meninas; o das carreiras de cancha reta; e o tempo cada vez maior de combater os comunistas, que viriam do Uruguai sob o comando dos exilados Leonel Brizola e João Goulart.

      Rosa tinha poucas vaidades, afora seus vestidos vermelhos, muitos desejos e quase nenhuma atenção do esposo. Salvo quando Vicário “precisava” dela. Era mulher de cama e mesa. O seu papel era servir e estar sempre disposta. A sua maior diversão, aquela que lhe arrancava suspiros enlevados, era ir à estação ver o trem partir. Vicário desconfiava daquela distração tão singela. Mandou um dos seus homens vigiar a mulher. Quando ela chegava sorridente do passeio, perguntava:

– Perdeste alguma coisa no trem? Ou achaste algum homem?

      Ela chorava. Furioso, ele decidia que era hora de emprenhá-la novamente (era a palavra que usava) para que tivesse ocupação. Os meses passavam-se, Vicário via a invasão comunista cada vez mais iminente, virava a maior parte das noites no carteado e na putaria, esbofeteava Rosa, ao amanhecer, com uma pergunta em forma de acusação:

– Por que não fica prenha, mulher?

      Uma vez por mês, Rosa Vermelha comprava no trem revistas de fotonovela e uma cartela de anticoncepcional. Inconformado com a falta de gravidez da mulher, que abatia o seu orgulho de macho, Vicário, na falta de outra punição, proibiu Rosa de ir à estação. Nesses dias, devastada, ela perambulou pela vila toda como um fantasma de vermelho. Foi vista por um recém-chegado, um castelhano que recebeu prontamente o apelido de Tupamaro. Sem qualquer timidez, ele a interpelou:

– Como se chama, senhora?

– Rosa – ela balbuciou.

– Rosa, a vermelha.

      Ninguém entendeu a sutil diferença entre Rosa Vermelha e Rosa, a vermelha, salvo o advogado, que lera a biografia de Rosa Luxemburgo. Ele avisou de imediato Vicário de que um comunista tupamaro andava de conversas com a sua esposa. O estancieiro armou-se até os dentes e saiu em busca da “vadia” e do inimigo ideológico. Quando chegou à estação, o trem havia partido fazia vinte minutos. Galopou inutilmente a cavalo atrás do comboio. Roaa, a vermelha, e o tupamaro não seriam alcançados. No bordel, Vicário encharcou-se de cachaça. Desabafou:

– Ela se vingou de mim.

– Não – disse-lhe a menina com quem se deitava.

– Como não, estrupício?

– Ela fez uma revolução.

– Deixando os filhos pra trás?

– Eles foram com ela.


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