Conversando com Michel Houellebecq
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Ele veio a Porto Alegre em 1999 e em 2007.
Estivemos juntos em São Paulo, em Buenos Aires, na Patagônia e em jantares na casa dele, em Paris.
Na Folha de S. Paulo, encantou-se com algumas velhas laudas de datilografar textos jornalísticos e, pelo jeito, levou algumas. Elas reapareceram como papel sobre o qual revelou fotos numa exposição sua no Palais Tokyo, em 2016.
– Não me lembro de onde tirei aquelas folhas – resmunga.
Nessa passagem pela Folha, MH foi criticado por uma professora de literatura, que estava muito aborrecida pelo fato de os livros dele venderem muito com uma linguagem simples. Ela torcia o nariz e usava um jargão insuportável.
– Ah, bom! – era tudo o que MH respondia.
Onde andará aquela senhora que detestava autores lidos e não compreendia a violenta ironia do autor?
Michel Houellebecq é sempre o mesmo. Quem não o conhece, acha que está triste ou preocupado.
De um momento para outro, ele sai da sua introspecção e ilumina a conversa com belas sacadas.
Ontem, andamos mais uma vez pela Cidade Baixa. Fomos do Shopping Olaria ao Parangolé, onde ele curtiu algumas garrafas de cerveja Coruja e comeu bacalhau e camarão. Uma turma divertida: Cláudia, eu, Luís Gomes, editor da Sulina e de Partículas elementares e Extensão do domínio da luta, Carlos Gerbase e Luciana e a jornalista argentina Matilde Sanchez, que veio entrevistá-lo para o Clarín. Michel falou, com suas poucas frases, de muitos assuntos importantes, da sociologia na literatura ao Nobel de Bob Dylan. Mas estava preocupado com a falta de uma tomada 220 no seu hotel. Diante do nosso espanto por ele não ter um computador bivolt, exclamou com incontida ironia:
– Para que um computador bivolt? Eu nem sabia que ainda existia esse negócio de 11o volts! É uma especialidade brasileira como o bobó de camarão?
Michel carrega sempre uma cafeteira italiana. Faz café de madrugada. Toma um litro por noite.
– É para ter certeza de que vou acordar de manhã – explicou.
Lembro-me de que na Patagonia ela ia ao supermercado comprar pó de café.
Ontem, quando fomos do aeroporto ao hotel, ele me fez uma pergunta repentina:
– Podes me explicar a destituição da presidente? Li sobre isso, mas não entendi coisa alguma.
Expliquei. Dei as versões de cada campo.
– De fato, parece incompreensível – concluiu.
Perguntei-lhe se ainda fazia cinema. Atuou num filme e dirigiu outro.
– O que tu chamas de fazer cinema, Juremir?
– Ora, atuar e dirigir. Não é isso para ti?
– Não. Fazer cinema é algo mais do que isso.
– O quê?
– Huummmm
– Sabes que eu identifiquei uns 65 tons de hummm em ti quando estivemos na Patagônia?
– Huuummmmmmmm
Pedi-lhe notícias da política na França:
– Vai mal. Como vês, não trago novidades.
– O que andas lendo?
– Só os livros que me enviam pelo correio. Estou ficando velho. Saio pouco de casa. Quero paz e tranquilidade. Sinto frio. Viajo pouco. Curto o meu canto. Semana passada, na Espanha, dormi no volante e bati o carro. Voltei de avião. Neste ano, sofri com um problema no ombro esquerdo. Foi por isso que não pude vir a Porto Alegre em agosto.
– Teve gente duvidando da tua vinda...
– Por quê? Eu só falto em caso de doença ou de algum problema. Sou um cara sério.
Rimos. Eu nunca duvido da palavra de Michel Houellebecq. Quando aconteceu o atentado ao jornal Charlie Hebdo, trocamos mensagens. Nossa velha amizade é feita de pequenas declarações e frases entrecortadas. Basta.
– Nesses quase 20 anos, Michel, eu envelheci mais do que tu. Olha os meus cabelos brancos.
– Eu envelheci por dentro, Juremir. Penso mais o que digo.