Conversas remotas
Diálogos em tempos de CPI e pandemia
publicidade
– Tudo bem?
– Levando.
– Tá morrendo menos gente.
– Mas ainda vai morrer uma galera.
– Não há mal que dure sempre.
– Nem bem que nunca termine.
Conversa vai, conversa vem. Pelas telas. Na falta de estilo mais original, usamos os lugares comuns que encurtam o caminho, facilitam a passagem da ideia e resumem o que pensamentos, sentimos e tememos.
– Vai melhorar.
– Tá ruim.
– Já vejo luz no fim do túnel.
– Só vejo o túnel.
Sempre há otimistas e pessimistas por aí. Cada um se vê como realista. Como se sabe, realismo é a opinião que cada um tem de uma ficção chamada de realidade. Para matar o tempo, fazemos lives.
– E o governo, hein!
– Pois é.
– Que coisa!
– Nem me fala.
Diz-se muito com pouco quando toda exclamação termina com um ponto de interrogação. O importante nem é o que se diz, mas o que se pensa. Tem cada conversa curiosa sobre novos hábitos e culturas.
– Pedalando muito?
– Sempre. Bike é tudo.
– Qual é a tua?
– A minha? Que coisa velha. Pego uma numa esquina e deixo noutra.
– Prefiro algo mais sofisticado.
Avaliações da pandemia também chamam a atenção. Tudo é possível. As leituras vão de um extremo a outro em nome da ponderação.
– A humanidade nunca mais será a mesma.
– A humanidade nunca muda.
– Vamos ser mais cooperativos.
– Estamos competindo pelas vacinas.
Uma conversa interessante é sobre subjetividade e determinismo estrutural, dois nomes pomposos que cabem numa só contradição:
– Cada um vê as coisas do seu jeito.
– Claro, eu acho que tem muito exagero no que dizem por aí.
– Você é o que é pela sua formação, pelo seu percurso.
Nunca se conversou tanto quanto nestes tempos de isolamento. Os celulares nunca fecham a boca. Falam entre eles de madrugada.
– Opa! Dormindo?
– Capaz. Quem dorme é o meu usuário.
– Usuário ou dono?
– Ele pensa quem é meu dono. Mas quem manda sou eu.
Vida louca. Quanto tempo se perde comendo e dormindo. Não fosse isso, daria para fica muito mais redes sociais matando o tempo.
– E a CPI, hein?
– Bah!