Corruptos de estimação da ditadura

Corruptos de estimação da ditadura

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Nada do que é sólido permanece no ar por conta própria? O ônibus espacial chinês vai desabar a qualquer momento. Os mitos da ditadura militar brasileira de 1964 espatifam-se na quarta idade como se fossem elefantes com couraça de vidro. Nossa justiça mostra que falha e tarda. O regime militar censurava a mídia para que não falasse de casos de corrupção. Alguns dos seus luminares enriqueceram à sombra do poder armado. Paulo Maluf, o civil que levou o “rouba, mas faz” ao ápice, protegido pelos ditadores de plantão, dorme agora numa cela desconfortável às vésperas dos 90 anos de idade.

O homem forte da economia da ditadura, o responsável pelo milagre econômico e pelo endividamento estratosférico do país, o mago Delfim Neto, está no olho do furacão, acusado de receber propina de empreiteiras para facilitar a colheita farta de dinheiro público na usina de Belo Monte. Nos anos 1970, de triste memória e nenhuma saudade, salvo para as viúvas da repressão e da tortura, o nome de Delfim Neto esteve associado a ganhos ilícitos em Água Vermelha e Tucuruí. Nos anos 1980 explodiu o caso Coroa-Brastel. Delfim Neto e Ernani Galveas, ministro da Fazenda no último governo fardado, foram acusados de favorecer um empresário e a si mesmos com dinheiro desviado da Caixa Econômica Federal. O google está aí para ajudar quem desconhece esses episódios e para refrescar a memória de quem esqueceu ou bloqueou por ideologia, o Alzheimer de muitos vidrados no passado militar.

Entre 1968 e 1973, a Comissão Geral de Investigações (CGI) analisou 1.153 processos de corrupção. O historiador Carlos Fico especializou-se no assunto: “Mais de 41% dos atingidos eram políticos (prefeitos e parlamentares) e aproximadamente 36% eram funcionários públicos. Num único ato, em 1973, chegaram ao Sistema CGI cerca de 400 representações ou denúncias”. Fico faz a pergunta que os militares não respondem: “Por que, então, fracassou a iniciativa de ‘combate à corrupção’ do regime militar pós- AI-5?”. A resposta é desconcertante: “Em primeiro lugar, a impossibilidade de manter os militares num compartimento estanque, imunes à corrupção, notadamente quando já ocupavam tantos cargos importantes da estrutura administrativa federal. Não terão sido pouco os casos de processos interrompidos por causa da identificação de envolvimento de afiliados ao regime”.

Uma determinação do Ministério da Justiça orientava a mídia: “É vedada a descrição minuciosa do modo de cometimento de delitos”. O jornal Folha de S. Paulo publicou em 2012 uma reportagem intitulada: “Ditadura destruiu mais de 19 mil documentos secretos”. A queima aconteceu durante o reinado do último ditador, João Batista Figueiredo, aquele que preferia cheiro de cavalo a cheiro de gente. A corrupção eleitoral também grassava. O deputado de Minas Gerais Francelino Pereira, eleito pela ARENA, soltou uma pérola sobre as eleições de 1966: “Foi uma vergonha o que ocorreu no último pleito. Nunca se teve notícia de tanta corrupção eleitoral no Estado. A compra de votos foi feita ostensiva e desavergonhadamente”. Que beleza! Um "case" para reflexão em tempos de Lava-Jato.

Paulo Maluf e Delfim Neto talvez se encontrem na prisão para falar dos bons velhos tempos em que não havia corrupção no Brasil. Terão muito a conversar. Será que um dirá para o outro sobre o pior:

– Eu não sabia de nada.

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