Da seleção de 70 a Sérgio Vieira de Mello

Da seleção de 70 a Sérgio Vieira de Mello

Reflexões caseiras e apaixonadas

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      Passei uma semana vendo um filme e em seguida um jogo do Brasil na Copa de 1970. Primeira conclusão: Zagallo é um técnico subestimado. Inventaram, sem nunca provar, que os méritos pelo time e pelo esquema do tricampeonato seriam dos próprios jogadores e não dele. Em campo, um time com falso nove, com ponteiros improvisados, com volantes que eram verdadeiros meias, atacantes recompondo, gol de escanteio curto, saída com bola no chão, quase sem chutão, intensa troca de passes, quatro atacantes rodando, cobranças de falta bem ensaiadas e muito drible. Tudo o que se faz hoje de moderno já estava lá, com menos intensidade, ou seja, um jogo menos físico, mais pensado, mais elegante e técnico.

      Antes de jogo, cinema. Na Netflix, “Sérgio”, dirigido por Greg Baker, com o brasileiro Wagner Moura exuberante no papel do diplomata Sérgio Vieira de Mello, assassinado num atentado da Alcaida, em 2003, quando chefiava missão da ONU em Bagdá, no Iraque. A crítica tem desancado o filme, acusando o diretor de ter transformado Sérgio, como era chamado brasileiramente por todos, num James Bond exalando coragem, sensualidade e tiradas espirituosas. De fato, o filme tem muitas imperfeições de técnica narrativa e romantiza muito a figura carismática de Vieira de Mello, além de sensualizar em demasia. Mesmo assim, vale a pena vê-lo. A tensão entre Sérgio, como representante da ONU, e Paul Bremer, enviado dos Estados Unidos, dá uma boa ideia de como os americanos percebem uma entidade que se quer “independente”. 

      Parte do filme é a história de amor entre Sérgio e Caroline, uma argentina, também ligada à ONU, que ele conhece em sua missão no Timor-Leste. É aí que o diretor resvala na direção de certo novelismo. Feitas as contas, o resultado é positivo, pois resgata o imenso personagem de Sérgio Vieira de Mello, um homem que conviveu com o perigo sonhando em voltar para o Rio de Janeiro da sua juventude no Arpoador. O grande erro de Sérgio no Iraque, aos olhos dos americanos, teria sido colocar os interesses dos locais e os direitos humanos acima da pauta econômica. Passaria rapidamente de amigo a pedra no sapato. Restariam, claro, os discursos sem as asperezas da realidade depois da tragédia.

      Pelé fez jogadas magistrais em 1970, especialmente aquelas famosas dos gols que não aconteceram. Impossível não ficar embasbacado com seu talento no mundial do México. Ao ver todos os jogos, que só havia escutado no rádio, com oito anos de idade na época, fiquei com uma sincera dúvida: Jairzinho não terá jogado mais do que Pelé? Vale lembrar que Jair fez sete gols em seis jogos. Marcou em todos. Alguns desses gols foram lindos, resultantes de drible, força e precisão. Sérgio Vieira de Mello merece ser conhecido. Zagallo deveria ter mais reconhecimento como técnico. No meio das trevas, um pouco de distração ajuda a espairecer. Sem contar que se encher de beleza nunca é demais. Será que um dia voltaremos a jogar o futebol de 1970? A seleção de Zagallo envergonha as do Tite na ousadia e na forma de jogar. Será que perdemos a coragem do drible?


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