Das origens do carnaval à paixão nacional
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Nos primeiros tempos dos desfiles, o carnaval foi instrumentalizado por interesses cívicos estatais. Já no Estado Novo, a ditadura de Getúlio Vargas, a Portela ganhou quase tudo fazendo o papel de porta-voz do patriotismo na avenida. O historiador do carnaval Haroldo Costa destaca o fato de que, nos primórdios, negros alforriados foram exibidos em carros alegóricos. Mangueira e Salgueiro foram as primeiras escolas de samba a abraçar realmente a cultura negra. Em 1960, o Salgueiro fez de Zumbi dos Palmares o seu herói libertador. O que seria das baterias – a própria essência de uma escola de samba – sem a influência da cultura afro-brasileira?
Joaquim Nabuco, talvez o mais importante intelectual da história brasileira, não cansava de exaltar a contribuição dos negros para a construção da riqueza material e imaterial brasileira. Fizeram tudo. Ainda não saldamos essa dívida de um passado vergonhoso. A escravidão foi abolida a meros 127 anos. Os africanos escravizados ergueram o Brasil. É terrível constatar que a maioria dos seus descendentes continua marginalizada, só no carnaval encontrando algum espaço para figurar como protagonista da sua brava história. Não sejamos, contudo, tão melancólicos. Pensamos na festa de momo.
O antropólogo Gilberto Freire fez um estudo sobra verdadeira estrela do carnaval: a bunda. Aceitemos essa palavra tão familiar com a familiaridade e a intimidade exigidas pelos festejos e pela informalidade da nossa língua. Sem moralismo. A bunda é a paixão nacional. O grande erudito concluiu com um gingado que, para Roberto da Matta, o destaque do carnaval, s rainha, é "sempre uma vedete de formas perfeitas". Daí o questionamento antropológico do autor de “Casa Grande & Senzala”: “E sua bunda? É parte ou não dessa perfeição? Se, como recorda de música de Chico Buarque, o típico brasileiro carnavalesco espera ‘o carnaval chegar’ para ‘pegar em pernas de moças’, como não destacar-se seu ensejo maior de apalpar bundas de mulher?” Com o consentimento das escolhidas, interessadas ou desejadas. Freyre garante que a bunda brasileira é africana.
Ou é o mais belo produto da nossa mestiçagem. Pode ser até que alguém se ofenda com isso, mas eu vejo nisso mais uma contribuição extraordinária ao patrimônio brasileiro. Digo mais: não tem preço.