De onde vem o prazer de matar

De onde vem o prazer de matar

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Um caçador americano matou o leão símbolo do Zimbábue. Eu perguntei: de onde vem esse prazer de matar? Um caçador alemão matou o elefante símbolo do Zimbábue. Eu volto a perguntar: de onde vem esse prazer de matar? Olho a foto do caçador alemão festejando com seu guia nativo, sobre a carcaça da presa, a sua façanha? É a imagem da boçalidade feliz. Um adulto de calça curta e arma na mão vibrando pela morte inútil de um velho animal. Para quê? Por quê? Os deterministas ou cientificistas adoram falar em genes ou em substâncias liberadas pelo organismo quando fazemos isto ou aquilo. Que substância é liberada quando o homem mata a ponto de fazê-lo sorrir? Que reações químicas justificam a barbárie no corpo humano?

Criança, eu achava que caçar pelo prazer de abater animais era absolutamente normal. Hoje, olho pela janela do meu sétimo andar e questiono: qual a graça de ver um animal deixar de existir? Nesse confronto entre o caçador e a caça, o predador, com suas próteses tecnológicas, é o mais forte. Ele não se expõe a um confronto. É como a farsa das touradas. Em Bogotá, fomos a uma tourada. Jamais vi um espetáculo mais covarde, sádico e perverso. Saí de lá com a certeza de que o homem é mau. Depois, relativizei: há homens maus. Obviamente. No caso, duas maldades me chocaram: a maldade de quem mata e maldade de quem aplaude a tortura e a execução. Será esse prazer de matar um resquício do primitivo no homem dito civilizado?

É a hipótese mais fácil. Por que, no entanto, a cultura e racionalidade não apagam esse suposto rastro de um passado longínquo? Todos os dias ficamos chocados com a facilidade de alguns para passar ao ato de matar. Na busca de explicações, dizemos que matou sob efeito de drogas, que matou por vingança, que matou por necessidade, que matou em legítima defesa, que matou por ser psicopata. Como explicar, porém, esse assassinato planejado, premeditado, no pleno uso das faculdades mentais e sem estar sob o efeito de qualquer substância entorpecente, de um animal que nada fez ao seu assassino, não lhe servirá de alimento nem lhe representa uma ameaça? A morte pela morte. A morte pelo prazer de matar.

A morte sem justificativa.

O prazer de matar revela o pior do ser humano. Esse pior que não desaparece com o tempo. A ciência evolui, a tecnologia avança, o imaginário permanece subdesenvolvido. Lembraremos o nome do leão abatido: Cecil. Lembraremos das longas presas do elefante assassinado. Teria morrido por causa delas? Nem isso. Embora também isso fosse hediondo. O caçador só queria vencer a sua presa. Busca um troféu. Macabro. Os defensores da caça dão de ombros ou resmungam:

– Não se pode nem caçar em paz! Maldito politicamente correto.

Tradução: não se pode mais nem matar só por prazer. Esses dois exemplares da espécie humana, o americano que matou o leão e alemão que matou o elefante, precisam ser estudados em laboratório. Como será a mente deles? A ciência não pode perder a oportunidade de usá-los como cobaia para tentar desvendar o incrível prazer de matar.

Hobbes achava que o homem era mau e precisava ser domesticado.

Rousseau acreditava que o homem era bom, mas corrompido pela sociedade.

Eu, sabidamente mais genial do que Hobbes e Rousseau juntos, afirmo que o homem pode nasceu mau ou bom e ser melhorado ou piorado pela sociedade. Tudo é possível.

A única coisa impossível é a eliminação total da maldade.

Não há bem que dure sempre, mas há mal que nunca acaba.

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