Depois do naufrágio

Depois do naufrágio

Velhos e jovens em torno do MAR

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      A política divide. O futebol une. A política divide pelo fanatismo. O futebol une nas certezas. Opostas. A certeza no velho é teimosia. No jovem, deslumbramento. Como se sabe, as causas vinham primeiro, exceto no mundo patafísico. No sistema das novidades, cabe ao jovem ser moderno e ao velho ser antigo. Nada impede que, vez ou outra, o velho tenha razão. A retórica é que não muda. Quando o velho discorda do jovem, é por ser gagá, parado no tempo, fechado. Já o velho descarta o jovem como ignorante, precipitado, inexperiente. Ambos costumam ter razão, o que é muito chato. Cansado de treinadores toscos, os jovens apostaram num “revolucionário” no Inter. Mas um cara que chega falando que ganhou uma Ferrari e prometendo espetáculo, encilha mal o cavalo. Foi chamado por um amigo de “El lúdico”.

      Aí começou a guerra de gerações. Os jovens enchem o peito e falam: “O pessoal precisa entender que leva tempo”. Os velhos rebatem: “A galera precisa entender que não está funcionando”. Quando velho fala “galera”, soo mocidade. O jovem ama a novidade porque ela é nova. Elementar. No caso do MAR, treinador do Inter, o jovem ama o modelo de videogame, onde ele mesmo é o treinador e tudo depende do seu cérebro. No campo real, é outra coisa. Existem os jogadores e suas decisões. O futebol tem mais a ver com jazz. Há muito de improviso, de acaso, de incerteza e de individualidade. O neocientifiscimo, ancorado na ciência de dados, tenta eliminar essa complexidade controlando todas as variáveis em jogo. Daí se preferir o passe ao drible. É uma questão geral da sociedade. Jogadores têm características que não podem ser negadas. Uns marcam melhor que outros.

      Ignorar essas tendências e escalar uns no lugar dos outros, combate o essencialismo (a inclinação natural para algo), mas não dá resultado. Resultado e desempenho não podem esperar muito tempo um pelo outro em grandes clubes. É como na vida. O importante é o seguinte: nunca se deve confiar em alguém que se apresenta como revolucionário e pede paciência com a revolução. Tem solução? Quem saber analisar o concreto. Exemplo: cloroquina tem resultados comprovados? A tal saidinha de três – no futebol moderno, sair tocando a bola desde o goleiro, mesmo em situação suicida – dá resultado? Qual? Não seria melhor alternar saídas? Hipótese: se tivesse sido assim desde o começo a revolução seria o contrário. A novidade manda.

      O MAR vinha afundando o Inter. Um fiasco atrás do outro. Se disputasse a Copa do Nordeste, seria último. Para tomar o lugar dos velhos, os jovens precisam de novidades, como chamar ataque de último terço. Uma geração precisa assassinar a outra para viver. Nada mais compreensível. Outro modo é o elogio condescendente. Funciona por algum tempo. Velhos e jovens são iguais. Unidos pelas certezas. Contrárias. Ouço Lupicínio: “Esses moços, pobres moços, ah se soubessem o que eu sei...” Coisa de velho arrogante? O velho pode saber algumas coisas, não por ser diabo, mas por ter treinado a observação ao longo da vida.


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