Dez verdades sem inocência sobre a crise

Dez verdades sem inocência sobre a crise

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Dez verdades das quais só quem acredita em Papai Noel pode duvidar.

  1. É claro que Lula recebeu agrados indevidos de empreiteiras no sítio de Atibaia e no tríplex do Guarujá. É óbvio que desistiu do apartamento quando soou o alarme. Como a compra não se efetivou e o sítio não está no seu nome, faltam provas substanciais para incriminá-lo. Politicamente, no entanto, o estrago está feito, pois as evidências são robustas. Cabe à esquerda minimizar os fatos, e à direita, aumentá-los. A opinião pública média já se convenceu.

  2. É claro que os grampos de Sérgio Moro não passam em teste de legalidade em país sério. Moro cobra o escanteio, corre, faz o gol de cabeça e ainda apita a partida: investiga e julga. Autorizou o grampo, cancelou a arapongagem e decidiu, contra a sua ordem inicial, aceitar e divulgar uma gravação de conversa de Lula com a presidente da República ao perceber o impacto na sociedade. É evidente que Moro se vingou ao sentir que perdia o controle sobre Lula. Agiu politicamente. Moro quer derrubar o governo. Talvez por se sentir um missionário. Um grampo que pega a presidente da República, mesmo que o alvo não tenha foro privilegiado, não poderia ser divulgado sem autorização do STF. O foro precisa prevalecer. Se a lei brasileira permite tal aberração, o que não parece claro, é primária. A intenção de Moro, no entanto, foi de vingança para tentar evitar a posse de Lula como ministro. O juiz fez um cálculo na sua opção pelo populismo jurídico. Populismo é relação direta com a massa sem passar por mediações institucionais. Moro milita.

  3. É mais do que óbvia a intenção de Dilma de proteger Lula com foro ao dar-lhe um ministério. A cartada pretendia salvar Lula das mãos de Sérgio Moro. As gravações provam isso. É certo que os petistas também esperam do ministro Lula a salvação do país e do governo. Mas a principal motivação foi impedir a imagem mortal: a prisão de Lula ainda que por pouco tempo.

  4. Nada mais cristalino do que a podridão do sistema político brasileiro. A esquerda reclama com razão da seletividade da justiça. O governador Aécio Neves construiu um aeroporto em terras da família. Um parente tinha a chave do campo de pouso. A denúncia foi arquivada. Não se perdeu tempo procurando mil pequenos indícios para provar o que todo entendeu desde o começo. Uma coisa não absolve a outra, mas um crime tampouco apaga a evidência da seletividade.

  5. O direito brasileiro está atolado na ideologia. Gilmar Mendes é um militante tucano no STF. Era óbvio que devolveria Lula para Moro. A justiça decide subjetivamente quem pode ser ministro no país. Da mesma forma, o STF decidiu pelo rito do impeachment a seu bel-prazer. É evidente que Tóffoli é militante petista no Supremo. Só que ele tem votado, como no rito do impeachment, contra o governo. Certamente por saber que a partida estava ganha e não precisava do seu apoio.

  6. É evidente que a parceria de Moro com a Rede Globo não é republicana. Os vazamentos são seletivos, calculados e políticos. Mais uma vez a mídia é parceira na derrubada de um governante legitimamente eleito. A mídia está em campanha como esteve em 1954 e em 1964. Globo, Estadão e Folha de S. Paulo são reincidentes. Será que terão de pedir desculpas 50 anos depois?

  7. Sim, parte da população está revoltada com a corrupção. Mas muito mais com a corrupção do PT. A prova disso é que não se revolta contra o fato de que Eduardo Cunha comanda o impeachment na Câmara dos Deputados. Nem com o fato de que o poder poderá ser herdado por Michel Temer, arrolado na Lava Jato. Nem com a perspectiva de ter o país dirigido por Temer, Cunha e Calheiros. Parte dos indignados com a corrupção odeia o petismo pelas suas qualidades: bolsa-família, cotas, valorização do salário mínimo, ProUni, inclusão social, criação de uma classe C com direito a andar de avião, etc. Essa parte dos revoltados tenta interditar uma conclusão inequívoca: Lula foi um grande presidente. O país está em crise agora por causa dos "bons" momentos de antes? Essa é uma tese cujo objetivo é abrir caminho para o cancelamento das políticas sociais. Os bons governo de Lula, contudo, não o autorizam a ter privilégios judiciais nem a receber agrados de empreiteiras. Resta à justiça, porém, provar o que Lula, como governante ou lobista, deu em troca pelo mimos?

  8. Pedaladas e financiamento de campanha nunca passaram de evidências fracas para promover o impeachment. Era golpe. Na busca de crimes para derrubar o governo, Lula foi cercado. Aturdido, disparou telefonemas insultando e pressionando todo mundo. Grampeado, produziu o que se precisava. Agora, Dilma pode ser acusada de tentativa de obstrução de justiça. O golpe virou impeachment. Quem vai querer salvar Dilma no Congresso? PMDB, PSDB, DEM, PPS, PSB e quase todos os demais partidos têm mais a ganhar com a saída da presidente. Por que o PMDB salvaria Dilma se pode ganhar a sua cadeira com um impeachment que tem aval da mídia e da classe média? Por que Temer, que jamais seria eleito nas urnas, deixaria escapar a oportunidade?

  9. As conversas de Lula mostram muito e quase nada. Sim, ele insultou todo mundo, inclusive o STF, mas estava em conservas privadas que permitem desabafos. Sim, Lula usa palavrões. Mas isso não é crime. Sim, Dilma deu um ministério para salvar Lula de Sérgio Moro, mas ela considera injusta qualquer tentativa de prisão do ex-presidente e entende ser seu dever protegê-lo, além de crer que ele pode de fato virar o jogo, salvá-la da queda e tirar o país do atoleiro. Mais complicadas e graves são as tentativas de Lula e dos seus amigos de condicionar a PF, o MP e a justiça. Certo, Lula pode ter cometidos várias irregularidades. E Dilma? Qual o seu crime? Ter dado um ministério para Lula? Ter tentado obstruir a justiça? O governo tem outra versão para a tal conversa sobre o envio do termo de posse para Lula usar em caso de necessidade. É uma versão fraquinha. Mas como negá-la categoricamente? Dilma deve cair pelos crimes de Lula? Ou só por querer protegê-lo? Salvo se as delações de Delcídio Amaral forem comprovadas. Para ele, Dilma sabia de tudo. Irônico é ver PMDB e PP, parceiros de corupção do PT, querendo sair do governo por apreço a honestidade,

  10. O governo perdeu a credibilidade. A oposição não tem o menor capital de confiabilidade. O TSE poderia cassar logo a chapa Dilma-Temer. Alguns golpistas querem separar Temer de Dilma no TSE. Nesse caso, todas as chapas terão de ser cassadas. Resta uma hipótese radical e utópica: e se Dilma e Temer renunciassem para proporcionar ao Brasil novas eleições? Temer jamais largaria o osso. Dilma não vê razões para isso. Em caso de novas eleições, deixariam Lula concorrer? Se ele concorrer e ganhar, a oposição aceitará o resultado das urnas ou voltará a buscar um atalho? A primeira vítima na crise brasileira é a ideia de que pode haver objetividade no direito. A hermenêutica entre nós é apenas a conveniência ideológica de cada intérprete das leis.


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