Diário da quarentena (18): SUS

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Nossa tábua de salvação

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      Durante muito tempo eu ouvi a extrema direita esculhambar o Sistema Único de Saúde (SUS) sem entender bem a razão. Era sempre o mesmo tipo de argumento: se fosse realmente bom o presidente da República usaria, assim como o ministro da Saúde. Se não era perfeito, portanto, só poderia ser inútil e oneroso. Era um sofisma atrás do outro, uma conversa fiada depois da outra, uma ideologização permanente e desonesta. Havia uma espécie de ódio por um sistema universal de saúde que, mesmo imperfeito, cobria a população. Em tempos de coronavírus, a pergunta fica simples: o que seria do Brasil sem o SUS?

      Sistemas de saúde públicos universais existem em países onde a vida humana está acima do lucro. O senador Bernie Sanders não conseguiu emplacar a sua candidatura pelo Partido Democrata à presidência dos Estados Unidos, mas deixou um legado: será impossível a Joe Biden, que representará os Democratas contra Donald Trump, não levar em consideração o debate sobre cobertura de saúde para todos. Parte dos argumentos contra o SUS sempre se baseou no óbvio rasteiro: o horror ao Estado. Outra parte, porém, era mais repugnante ainda: a herança do imaginário escravocrata brasileiro pelo qual a vida da maioria nada vale se essa maioria frágil não puder pagar pela sua sobrevivência.

      Como tudo no Brasil – educação, cultura, qualidade de vida –, a saúde é vista pelos inimigos do SUS como um sistema de hierarquia social. Num mundo de distinções cruéis e ocas, ter acesso a cuidados médicos e hospitalares valeria como um título de nobreza. O SUS desarticula em parte esse modelo de castas. O que falta ao SUS? Mais dinheiro. A pandemia do coronavírus poderá deixar, ao menos, um legado positivo: a compreensão de que o SUS não pode ser subfinanciado. Colocar mais dinheiro no SUS é investir no patrimônio nacional: as pessoas. É possível alcançar equilíbrio entre medicina privada e pública. O ministro Luiz Henrique Mandetta, de jaleco do SUS a cada aparição na televisão, mostra o quanto a sua compreensão evoluiu.

      O médico celebridade Dráuzio Varela definiu o SUS e suas limitações assim: “Para a maioria dos brasileiros, infelizmente, a imagem do SUS é a do pronto-socorro com macas no corredor, gente sentada no chão e fila de doentes na porta. Tamanha carga de impostos para isso, reclamam todos. Esquecem que o SUS oferece gratuitamente o maior programa de vacinações e de transplantes de órgãos do mundo. Nosso programa de distribuição de medicamentos contra a aids revolucionou o tratamento da doença nos cinco continentes. Não percebem que o resgate chamado para socorrer o acidentado é do SUS, nem que a qualidade das transfusões de sangue nos hospitais de luxo é assegurada por ele”. A conclusão é direta e crua: sem o SUS seria a barbárie.

      É fundamental mais dinheiro no SUS para pagar melhor médicos, garantir mais recursos aos hospitais e melhor atendimento a todos. Aos que atacam o SUS por elitismo, fiquemos com esta afirmação de Varela para reflexão: “Por incrível que pareça, poucos brasileiros sabem que o Brasil é o único país com mais de 100 milhões de habitantes, que ousou levar assistência médica gratuita a toda a população”. Não tem preço.

 


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