Diário da quarentena (24): Gilmar Mendes

Diário da quarentena (24): Gilmar Mendes

Ministro do STF botou o dedo na ferida

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Nua e crua

 O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, já foi ídolo ideológico da direita. Depois, quando resolveu seguir à risca a Constituição, mesmo naquilo que ela possa ter de controverso, passou a ser odiado. O STF atrai dois tipos de apaixonados: os “principialistas”, que defendem a aplicação mais literal possível do texto escrito, e os consequencialistas, que colocam as consequências acima dos “formalismos” e apoiam o uso e a intepretação das leis conforme as conveniências. Os primeiros querem que se leia “x” onde está escrito “x” e entendem que isso é cognitivamente possível. O segundo grupo pressupõe que legal é aquilo que o STF diz que é. Ponto.

      Por que falar em Gilmar Mendes neste momento de cornavírus e de embates em torno de políticas públicas aptas a enfrentar a enormidade do problema? Em entrevista ao Correio Braziliense há alguns dias, o ministro botou o dedo na ferida dos problemas brasileiros com uma clareza brutal e uma acuidade de dar inveja: “A crise tornou evidente nossas fraturas expostas: o exército de pobres que temos, a brutal desigualdade, as péssimas condições de moradia, a favelização das nossas cidades, tudo isso precisa ser colocado na nossa agenda nacional”. Quando será que a elite brasileira se dará conta disso? Ou sabe desde sempre e não se importa? Pior ainda, esconde a realidade?

      No seu twitter, no final de semana, Gilmar Mendes deu outra estocada mortal: “Nesse momento, o resto do mundo já começa a repensar os paradigmas do capitalismo pós #COVID19. A pandemia pode gerar uma nova onda de automação, ampliar a concentração de renda e a desigualdade social. Qual será o novo papel do Estado? #FiqueEmCasa”. Tudo está nessas duas declarações: como combater a vergonhosa desigualdade que faz do Brasil o que ele é desde a escravidão e que papel desempenhará o Estado num mundo cada mais automatizado e disposto a concentrar renda e riqueza? A tecnologia não define projeto político. Nós, seres humanos, é que apontamos os rumos. Queremos melhorar ou não?

      Ninguém é perfeito. De onde pouco se espera também pode sair se a pessoa tiver alguma consistência a explorar. Gilmar Mendes possui saber jurídico. Nem sempre o emprega de modo coerente. As suas observações mais recentes mostram que sabe também observar os fenômenos sociais em mutação. Outra linha de análise pode ser esta: pouca importa a biografia do emissor, o relevante é a mensagem estar correta. Sabemos, contudo, que neste mundo de poder e simulação a mensagem ganha relevância dependendo de quem diz o que, onde e quando. Essa é a razão pela qual a mídia não pode ignorar tampouco disparates presidenciais.

      Gilmar Mendes nunca será unanimidade. Nem merece. Mas marcou pontos ao dizer verdades que se eternizam na geladeira do desinteresse ou dos interesses contrários de quem se acostumou a olhar sem ver. A miséria passa, os donos da grana não veem, focados que estão nas telas dos seus dispositivos eletrônicos examinando tabelas de lucros e metas. Aí, de repente, a vida avisa que o sinal está fechado para a maioria. De quebra, Gilmar Mendes condenou também a participação de Jair Bolsonaro em atos contra a democracia e pelo fechamento do STF e do Congresso.

Imaginem se fosse o Lula.


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