Dois relatos sobre Edna e Belchior

Dois relatos sobre Edna e Belchior

publicidade

Juremir, meu caro, excelente texto!

Quando Belchior e Edna "apareceram" em Porto Alegre, acho que um mês e pouco atrás, fiz alguns comentários no meu Facebook sobre a insólita situação do ídolo. Uma das coisas que disse é que ele não estava procurando "emprego". Se falta de dinheiro fosse o caso, na hora ele teria portas abertas em teatros e casas noturnas de Porto Alegre.

O que posso acrescentar, para tua interpretação, é que ele e Edna estão juntos desde 2006. De lá para cá, ele deixou de ter celular, de ter endereço, de ter página na internet. Pelo que sei, não visitou mais os filhos e, pior, a mãe morreu em Fortaleza e ele não apareceu. Tudo muito bizarro, como disseste. Posso dizer que estivesse bem próximo do Belchior em certa época (fins dos anos 70/início dos 80). Ele esteve duas vezes em minha casa, passamos a noite conversando e bebendo vinho. Sua última apresentação em Porto Alegre acho que foi promovida por mim, no Santander Cultural, lá por 2005 (também não sei precisar a data e neste momento não estou a fim de procurar isso nos meus arquivos), um show do projeto "Ensaio Aberto", em que eu entrevistava o artista e ele ia cantando. Ele estava perfeitamente normal. Por que não teria me procurado nem antes nem agora?

Agora, a cada "aparecimento" dele com essa senhora Edna, a situação parece que vai se agravando e deteriorando do ponto-de-vista da sanidade. Inicialmente (quando a primeira notícia do sumiço veio à tona pela Globo), imaginei que ele estaria incógnito no Uruguai em busca de "novas emoções" para seu trabalho de compositor. Muitos artistas fazem isso, mergulham no desconhecido para lá buscar inspiração e histórias. Mas quando reapareceu em Porto Alegre, com estranhíssimas histórias passadas no interior uruguaio, com contas de hotel por pagar e fugas por portas dos fundos, já percebi que o caso era outro. Como, segundo tua matéria, ele pode se mostrar calmo, atencioso, receptivo, se no momento seguinte Edna o puxa para o lado da paranoia e da esquizofrenia? Por que ele simplesmente se deixa levar, sem esboçar reação? Independente de isso tudo ser desvendado, sem dúvida que dá uma história e tanto, uma novela de suspense em que o leitor atravessará o livro sem saber se é ficção ou realidade.

Abração, te leio sempre

Juarez Fonseca

*

Juremir,

Vou te contar a história de um final de semana verdadeiramente inesquecível em Colonia del Sacramento.

Te peço que não publiques meu nome, porque esse fato rendeu muito, à época. É uma cidade grande  sob certos aspectos, mas muito pequeno para esse tipo de coisa, e não quero mais exposição a esse respeito.

No dia dos namorados de 2009 fui com minha ex-namorada a Colonia del Sacramento. Coincidentemente, meus pais combinaram com um casal de amigos de também irem para lá. Assim, passávamos o dia separados, nós dos outros dois casais, e às noites encontrávamos para jantar.

Em um dos dias, quando encontramos, por acaso, na beira do rio, meus pais, eles nos contaram que tinham ido conhecer o Sheraton de Colonia, que fica em um campo de golfe, e reconheceram o Belchior no lobby. Tão logo ele viu ter sido reconhecido, chegou para conversar, e - disseram - foram umas duas horas extremamente agradáveis, com histórias engraçadas, envolvendo grandes nomes da nossa música popular.

A Edna estava junto e se apresentou como artista plástica,  segundo ela "curadora de arte", sem mencionar de qual instituição.

Quando se despediram, meus pais e os amigos disseram que tinham uma reserva em um restaurante muito pequeno, do filho do Jorge Paez Villaró (irmão menos famoso do Carlos, de Punta del Este), que é uma verdadeira galeria de arte em homenagem ao pai, e talvez eles tivessem interesse.

Disseram que não sabiam se poderiam, porque estavam em Colonia de passagem. Segundo eles, haviam estado em Punta del Este e iriam a Santiago, onde Belchior participaria de um festival, mas que em Colonia estariam fazendo uma sessão de fotos promocionais. Então dependeriam da agenda da "produção".

Ao chegar ao restaurante, em menos de 5 minutos, chegaram Belchior e Edna, como se "por acaso", com a mesma roupa que estavam de dia.

Foi a primeira vez que tive contato com eles. Já havia algumas horas que meus pais e o outro casal contavam as histórias deles, e a excitação por conhecê-lo era grande.

Chegaram e como era dia 12 de junho, fizeram uma homenagem aos namorados. Eles não nos conheciam, só meus pais e os amigos, de modo que ele levou um CD, embalado naquele plástico de proteção - evidentemente recém comprado - para o casal de amigos dos meus pais. Era um CD de poemas de Neruda que, segundo ele, havia ganho da família do Neruda. Para meus pais, ele trouxe uma gravura do Calazans Neto, artista baiano que ficou conhecido por ilustrar as obras de Jorge Amado. Segundo Edna, eles haviam arrematado uma coleção de gravuras do Calazans Neto, em um leilão da família do Jorge Amado, e ela estaria, nessa viagem, levando à Argentina para uma interessada.

A primeira situação estranha foi aqui. Minha mãe, pela tarde, traiu-se pela confiança e disse que tem uma tia, em Porto Alegre que tem uma grande coleção particular de arte. Edna ficou muito interessada, e à noite levou a gravura para que entregássemos para a tia, de quem pediu, inclusive o endereço, porque "seria muito bom se essa coleção ficasse no Brasil".

No jantar, estávamos em uma mesa de 8. Eles dominaram as conversas. Belchior fez alusão a grandes penalistas, quando soube que eu era advogado criminalista. Disse que tinha origem judaica, quando soube que éramos judeus. Sempre essas alusões eram tomadas por grandes histórias, quase sempre muito engraçadas, por parte dele, ou por análises extremamente profundas (e, por vezes, cansativa) por parte dela. A título de exemplo, quando soube que éramos judeus, fez um libelo em defesa de Israel, no conflito árabe-israelense.

No dia seguinte, íamos todos para Montevideo. Leia-se, todos, os 3 casais.

No final da janta, em um momento de silêncio, Edna virou-se para ele e disse que "tinham que resolver a situação se quisessem ir a Montevideo conosco".

Olhei para o meu pai e sentimos que "algo vinha".

Relatou - ela, sempre ela - que a "produção" havia entrado no quarto deles para levar alguns equipamentos antes e levou a bolsa de pertences pessoais deles, com documentos e cartões.

Aí ela virou para nós todos e perguntou se não nos importávamos de, em vez de pagar em dinheiro, pagar no cartão, e dar o dinheiro para eles, mediante um cheque do Banco do Brasil.

Ficou um clima claramente pesado na mesa.

Meu pai argumentou que tínhamos pouco dinheiro em espécie, usávamos quase que só cartão, e que o restaurante não aceitava cartão. Paralelo a isto, o amigo que estava junto levantou-se e pagou a conta, de todos, inclusive deles e deixou por isso mesmo.

Digamos que pagar a janta deles foi um "couvert artístico" para uma janta extremamente agradável, que culminou com uma tentativa de estelionato.

Na saída, despedimo-nos e ficamos mais três horas no bar do hotel conversando sobre a peculiaridade da noite.

Cerca de uns 2 meses depois, apareceu no Fantástico a notícia do "sumiço" de Belchior.

Enviei um email à globo para dizer que havíamos visto ele em Colonia.

Quiseram gravar uma matéria, e optei por não falar essa parte negativa deles, porque não sabia exatamente em que contexto estava inserido o sumiço dele.

Naturalmente deu uma repercussão tremenda. Tomado por uma curiosidade, mantive contato com um promotor de justiça, motoqueiro, que apareceu na reportagem, que também o encontrou, e também contou uma história água com açúcar.

Não contei a ele nada disto,  e ele disse que estavam em um bar e o Belchior chegou, ficou a noite toda conversando e no outro dia foi no hotel deles, pediu 300 dólares emprestado e deu um cheque do Banco do Brasil, que ele sequer tentou trocar. Segundo ele, foi o "autógrafo mais caro" que ele já pegou.

Em dezembro de 2009 ou 2010 (agora não sei precisar exatamente), estávamos em Rivera, fazendo compras de Natal e vimos ele e Edna escorados, depois do almoço, no Consulado do Brasil, em uma transversal da Rua Sarandi. Quando voltamos para fotografar, uns 5 minutos depois, já que ninguém acreditaria, eles haviam ido embora, ou entrado no Consulado. Acreditamos que eles nos reconheceram (até porque saiu no Fantástico).

Essa é a história.

Te peço de novo que não publiques nem meu nome nem a cidade, porque isso já me incomodou bastante.

E te prepara que é possível que venha "mordida".

Um abraço,

 

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895