Em defesa da punição para os dois lados
publicidade
Ministério Público paulista quer remexer em crimes da ditadura.
Só o STF poderá salvar os torturadores da punição.
A tese do crime continuado (definição da Corte Interamericana para o que se chama no Brasil mais precisamente de crime permanente) está minando a autoanistia dos militares.
Se passar um boi, passará a boiada inteira.
A revogação da Lei da Anistia é a melhor pedida.
Seria a única maneira de punir os dois lados.
Até agora só um lado foi punido: o lado dos que resistiram à ditadura.
O outro, o da direita, com seus torturadores, nunca foi penalizado.
A Lei da Anistia serviu para "perdoar" os que já haviam sido punidos pelos militares com exílio, cassação, prisão e tortura e, principalmente, para impedir que os militares golpistas viessem a ser punidos.
É preciso que eles sejam punidos pelos crimes que cometeram – sequestros, tortura – e, especialmente, pelo maior deles, o que engloba todos os outros: ter mergulhado o Brasil na ilegalidade, impondo ao país uma ditadura brutal.
*
Ações pedirão prisão de militares por 24 mortes na ditadura
Vítimas foram capturadas em SP; procurador sustenta que Lei da Anistia não se aplica a desaparecimentos forçados
Tese do Ministério Público foi derrotada no caso Curió, na semana passada, mas ainda será julgada pelo STF
BERNARDO MELLO FRANCO
DE SÃO PAULO
O Ministério Público Federal prepara a abertura de ações criminais contra militares suspeitos de participar do desaparecimento, em São Paulo, de 24 pessoas que atuaram na luta armada contra a ditadura militar (1964-85).
As investigações correm em sigilo. A Procuradoria pedirá a prisão dos ex-oficiais alegando que o desaparecimento forçado é um crime continuado, como o sequestro. Assim, os acusados não seriam beneficiados pela Lei da Anistia, que veta punições por atos cometidos até 1979.
A Justiça Federal do Pará rejeitou esta tese na sexta-feira passada ao recusar a abertura de ação criminal contra o coronel reformado do Exército Sebastião Curió, denunciado por sequestros na Guerrilha do Araguaia (1972-75).
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) já levou o mesmo argumento ao STF (Supremo Tribunal Federal). O julgamento do recurso foi marcado para hoje, mas deve ser adiado a pedido da entidade.
As 24 vítimas de São Paulo desapareceram após ser presas por agentes do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) e da Oban (Operação Bandeirante), depois rebatizada de Doi-Codi.
A Folha confirmou que a lista inclui o estudante Luiz Araújo, da ALN (Ação Libertadora Nacional), e o bancário Aluízio Palhano Ferreira, da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), na qual militou Dilma Rousseff.
Os dois desaparecidos passaram pelo Doi-Codi em 1971. O coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandava a unidade na época, deve ser um dos réus nas novas ações. Ele não foi localizado ontem e negou a prática de crimes em outras ocasiões.
O procurador Sergio Suiama, que conduz as investigações, afirma que o STF já equiparou o desaparecimento forçado ao sequestro ao autorizar a extradição de dois militares argentinos.
"Não se trata de revanchismo nem de manobra do Ministério Público. Nossa posição já foi adotada pelo Supremo para autorizar a prisão desses estrangeiros", diz ele.
"A Anistia só vale para crimes cometidos até 1979, o que não inclui o desaparecimento de vítimas cujos corpos nunca foram encontrados."
O procurador já começou a ouvir testemunhas, mas ainda não fixou data para ajuizar as ações criminais.