Endurecer benefícios para mais pobres

Endurecer benefícios para mais pobres

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Leio os jornais a cada manhã como quem faz a autópsia de um corpo: o corpo social.

Apesar dos longos anos de experiência, ainda me choco.

Li na Folha de S. Paulo que o "governo federal planeja enviar ao Congresso, após a tramitação da reforma da Previdência, uma proposta para promover mais alterações no acesso ao benefício pago a pessoas pobres idosas ou com deficiência, o BPC (Benefício de Prestação Continuada)".

Trocando em graúdos, o governo quer endurecer as regras para a concessão desses "privilégios".  Na linguagem dissimulada dos tecnocratas, a  "ideia é tornar as regras de concessão do benefício assistencial mais claras e reduzir a judicialização", pois, eis o pulo do gato, "conforme mostrou a Folha neste domingo (1º), um em cada três benefícios assistenciais concedidos a pessoas com deficiência em 2015 foi fruto de decisão judicial".

O governo entende que há distorções, visto que, "no caso dos idosos, a taxa foi de 8,1%".

Para e penso.

Será por causa desses idosos beneficiados que o país está mal? Volto ao texto do jornal: "O governo precisa estabelecer um novo patamar de renda para acesso ao BPC porque, em 2013, o STF (Supremo Tribunal Federal) considerou inconstitucional o critério de um quarto do salário mínimo, que equivale hoje a R$ 220. Até hoje a lei não foi alterada. A ideia em estudo atualmente é estipular um valor nominal, em vez de um percentual do salário mínimo, segundo disse à Folha o diretor de assuntos fiscais e sociais do Ministério do Planejamento, Arnaldo Lima. "Como o STF disse que um quarto do salário mínimo não é suficiente, vamos ter que subir um pouquinho. Qual esse valor? Ainda vamos avaliar", afirma. Também está em estudo a inclusão de um indicador socioeconômico na avaliação"

Aqui vem o que mais mexe comigo: "A ideia é um indicador que olhe aquela família em relação à população como um todo. Um algoritmo". Eis tudo. Eis o que inaugura a nova época: o algoritmo dos idosos miseráveis.

Eu ainda penso em termos de histórias pessoais, biografias, histórias de vida, essas coisas.

Aí o jornal Folha de S. Paulo organiza o "caos":

"SAIBA MAIS SOBRE O BPC

O QUE É Benefício no valor de um salário mínimo pago a idosos com mais de 65 anos ou deficientes, sem limite de idade, de baixa renda

EXIGÊNCIAS Renda por pessoa da família menor que 1/4 do salário mínimo. O beneficiário não pode estar recebendo outro benefício da Previdência Social

R$ 40 BILHÕES Foram gastos com pagamentos do BPC em 2015

R$ 85,8 BILHÕES Foi o rombo da Previdência Social em 2015

R$ 123,9 BILHÕES É o rombo de janeiro a outubro de 2016."

Conclusão: o rombo da Previdência também é o culpa dos idosos que recebem o BPC.

No meu algoritmo, tudo se resolveria taxando as grandes fortunas.

Sai ano, entra ano, continuo atrasado.

Raciocino em termos de sofrimento humano e de alegrias.

A minha preocupação é com o rombo no cotidiano dos infelizes.

Talvez eu tenha medo de ser o próximo.

A passagem do tempo explicita nossa vulnerabilidade.

Quero um algoritmo da segurança na velhice.

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