Entrevista com Paulo Coelho

Entrevista com Paulo Coelho

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Entrevista/Caderno de Sábado/Correio do Povo

Por Juremir Machado da Silva

Paulo Coelho, o escritor mais famoso do mundo

Fenômeno literário globalizado, o brasileiro Paulo Coelho vive na Suíça, de onde concedeu esta entrevista para o Caderno de Sábado. As perguntas foram enviadas por mensagem direta no twitter. As respostas vieram gravadas em arquivo de voz. Considerado por muitos com o “rei dos best-sellers”, o “Mago” tem uma visão cristalina de literatura, do seu lugar no mundo do livro e do papel da crítica. Leitor de grande autores, atento a tudo o que se escreve sobre ele, Paulo Coelho destacava o valor da história em relação ao estilo.

Caderno de Sábado (CS) – A sua carreira literária começou com um livro depoimento. Ao longo de um primeiro tempo a ideia parecia ser de comprovar a sua condição de mago. Agora, os seus livros parecem mais ficcionais. O sucesso abriu espaço para o escritor?

Paulo Coelho – Durante muito tempo, Juremir, eu recebi um clipping, um serviço de recortes, que trazia tudo que saía sobre mim. Pegava as suas colunas. Quando eu via o teu nome ali, eu já dizia: lá vem coisa. Eu já sabia o que esperar. Chegava a rir. Eu provocava em você um tipo de repulsa. Não sei o que era, mas era uma coisa muito engraçada. Tem dois tipos de pessoas quem leem críticas: outros críticos, que se deixam influenciar, e o criticado. Não sei se o leitor lê crítica. Se lesse, claro, o mundo literário seria outro. O criticado pode se chatear. Comigo isso nunca ocorreu. Ou não estaria te dando esta entrevista, pois sou uma pessoa muito dura com relação a isso. Para os meus amigos, tudo; para os meus inimigos, a lei, diz o ditado. Não vejo você como meu inimigo, mas como uma pessoa que tinha apenas certa implicância, que o twitter curiosamente dissolveu. Agora, eu achava que você era muito mais velho. Eu achava você um velho ranzinza. Não, é um jovem. Invejei você por ter ido com Michel Houellebecq à Patagônia. Mas vamos à primeira das suas perguntas.

A magia sempre me acompanhou, desde a música, que já era um reflexo dessa minha busca pela linguagem simbólica, uma metalinguagem que algumas pessoas desenvolveram através de símbolos. Há uma análise muito boa do Joseph Campbell, que escreveu muito sobre isso, “O poder do mito”. Jung tem um livro clássico chamado “Psicologia e alquimia”. Depois de minha famosa fase, como todos tivemos, de negar Deus, de negar tudo o que não pudéssemos provar, eu me voltei para a busca espiritual por duas razões. Fui educado num colégio religioso, o que me fez reagir muito contra a busca espiritual, pois se Deus é imposto, você está perdido. Cai na armadilha de aceitar o que é dito ou tem uma rejeição imensa. Ou passa por um período e volta ao caminho com outro tipo de visão. Foi o que ocorreu comigo. Estudei num colégio jesuíta, passei por uma fase de ateísmo, logo depois de sair da escola, e voltei, já não para o catolicismo, mas para uma busca espiritual que coincidiu com a época hippie. A carreira literária começou com o “Diário de um mago”, que foi um ponto de transição na minha vida. É a passagem do sujeito que queria ser escritor para o escritor. Como você diz, não é ficcional, mas um depoimento. Não foi para validar tudo o que eu fiz, mas foi porque eu queria escrever e só tinha como assunto o que havia acabado de experimentar. Quando cheguei a Santiago de Compostela, eu me disse: ou assumo o meu sonho ou sigo adiante sem ele. Resolvi assumir o meu sonho e escrevi sobre a minha peregrinação sem a menor esperança de que fosse ter repercussão. Quem se interessaria por um caminho medieval percorrido a pé em 1986? Hoje em dia é moda. Na época em que eu fiz, eram 400 pessoas por ano. Hoje, são 450 por dia. Eu não sei se algum escritor escreve livro ficcional. Não se pode tirar alguma coisa do nada. Todo livro é um reflexo do escritor. Um reflexo mais direto, como nos casos do “Diário de um mago”, das “Valquírias”, do “Aleph”, ou mais indireto como nos casos do “Alquimista”, que não deixa de ser o meu caminho metafórico, “Verônica decidiu morrer”, onde boto a minha experiência como interno de um hospício, embora não como se eu fosse o personagem principal. O escritor está presente nos seus livros de ficção e de não ficção disfarçada. Desejei chegar onde cheguei, mas não foi o sucesso que me permitiu abrir espaço. O escritor estava ali e foi isso que permitiu o sucesso acontecer.

CS – Michel Houellebecq diz que a qualidade de um livro depende da musicalidade das frases (forma) e do potencial de reflexão do autor/narrador. A história contada importa mais do que a forma?

Paulo Coelho – Não sei se um livro depende da musicalidade das frases porque existe a tradução, que muda totalmente a música da frase. A maioria dos meus livros está traduzida em todas as línguas. “O Alquimista” está traduzido também em muitos dialetos. Eu só leio praticamente português, inglês, espanhol e francês. Eu nunca li um livro meu em nenhuma dessas quatro línguas. Não, li um: “O demônio e a srta Prym”. Basicamente um livro depende do potencial de reflexão do autor. A história contada é mais importante do que a forma no sentido daquilo que as pessoas chamam de estilo literário. O verdadeiro estilo literário é o estilo do contador de histórias. É o que traz a literatura da noite dos tempos, quando a transmissão era oral. A partir da tradição oral se vem trazendo uma história e uma reflexão até a revolução da escrita. Essa primeira escrita é pictórica, vem através de símbolos, hieróglifos, até chegar no mundo ocidental aos mosteiros, onde se torna uma coisa de elite, pois os copistas não tinham como fazer coisas de grande divulgação. Por mais copistas que se tivesse, faltava uma linha de montagem. O livro é a primeira linha de montagem da história. McLuhan tem um trabalho muito interessante a esse respeito. Ele diz que a partir do momento em que algo pode ser reproduzido infinitamente, como o livro, na galáxia Gutenberg, começa-se a pensar que outras coisas podem ser reproduzidas. Segundo ele, não sei se concordo, é isso que leva a se cogitar a reprodução de automóveis. A palavra impressa cria a linha de montagem. A reprodução infinita deselitiza seja o que for, da roupa, com o prêt-à-porter, até o relógio que estou usando agora. No caso da cultura, isso se dá com o disco, com o cinema, que considero a arte mais completa por envolver todos os sentidos. Consegue-se transportar o pensamento. A beleza do livro é essa: antes se podia levar uma batata ou um carro cheio de armas, mas não o pensamento. Com o livro, o pensamento começa a viajar. A história importa mais. É a mesma coisa: o que importa mais, a pessoa ou a roupa que ela está vestindo? A pessoa. A roupa está sujeita à moda. No caso, a forma é a moda. A pessoa, não. Ela tem uma série de valores que estão nela.

CS – O leitor do século XXI, época de relativismo, acredita mais em livros e autores que se apresentem como relatos de algo real?

Paulo Coelho – Não sei se o leitor do século XXI acredita mais em livros e autores que se apresentem como relatos de algum real. Muito pelo contrário. Minha resposta é não. A literatura hoje em dia é dominada pela chamada literatura fantástica, que está longe de se apresentar como um relato do real, a não ser nos conflitos de sempre, que estão presentes no futuro. Já fui um grande fã de ficção científica. Li três ou quatro livros de literatura fantástica atual. Acho que não se compara com a da minha época. Com a idade, a gente acha que sempre o mais antigo é melhor. No século XXI, a pessoa busca uma utopia, não no sentido de Thomas Morus, mas no sentido de um mundo em que certos valores mudam e também as condições de vida.

CS – Como um dos exemplos mais bem-sucedidos no campo difícil da literatura, já parou para refletir sobre as razões do seu sucesso?

Paulo Coelho – Nunca pensei na razão do meu sucesso. Acho que se eu parar, vou buscar uma fórmula e, se fizer isso, estarei perdido. Isso me dá essa liberdade de escrever sobre adultério, meu livro mais vendido desde a época do “Zahir”. Os outros venderam, foram para as listas de mais vendidos, mas não tão bem quanto o Zahir. Falo de “O vencedor está só”, “Aleph”, “Manuscrito encontrado em Accra”, que, para os meus padrões, não venderam muito bem. Tenho liberdade para experimentar. “O vencedor está só” é um livro sobre celebridades. “Aleph” é sobre a minha experiência no trans-siberiano. Escrevi uma homenagem a Gibran, que acho um grande autor, embora as pessoas não gostem e o considerem um cara superficial. Ele está longe disso. É genial. Ele e Saint-Exupéry, que tem livros maravilhosos, mas as pessoas se prendem ao sucesso de “O Pequeno príncipe” como se fosse uma coisa desabonadora. Não é. “O Pequeno príncipe” é lido até hoje, mas como é acessível a todos, isso já incomoda a dita inteligência. O mesmo se dá com “O profeta”, de Gibran. Ambos têm livros excelentes. “A Cidadela”, do Saint-Exupéry, é fantástico. Mas ninguém fala.

CS – Tenho comigo que o leitor quer diferença e descobrimento (capacidade de trazer à tona algo encoberto). Que diferenças e descobrimentos os seus livros produzem?

Paulo Coelho – Concordo totalmente. Acrescento uma terceira coisa: entretenimento. Houellebecq disse, acho que numa entrevista para você, que é duro ler livros chatos. Lê-se ou finge que se lê para tentar se elitizar e dizer que é o máximo, mostrar que tem um conhecimento que vai além dos outros. Isso é uma bobagem. O leitor quer diferença e descobrimento, mas é muito difícil ser diferente quando se está repetindo conflitos humanos que estão aí há séculos. O escritor é muito mais um espelho do seu tempo. Pode-se falar do adultério hoje em dia como eu falo, como Flaubert falou em “Madame Bovary” ou como no caso de Helena de Troia. A literatura fica girando em torno dos quatro ou cinco temas clássicos: a história de amor entre duas pessoas, a história de amor entre três pessoas, a luta pelo poder e a viagem. Raramente um escritor foge disso.

CS – Ser autor de best-sellers traz fama e dinheiro, mas não necessariamente o reconhecimento da crítica. No seu caso, a crítica ainda é um problema? Ela ainda o incomoda como autor?

Paulo Coelho – Os críticos sempre me perguntam isso, mas é totalmente irrelevante. O que é o sucesso? No “Manuscrito encontrado em Accra”, eu digo que o sucesso é poder dormir em paz sabendo que você está fazendo o que gosta. Se a crítica me incomodasse eu jamais teria continuado a escrever. Não fui criticado no meu primeiro livro, “Diário de um mago”. Ele foi ignorado. Não fui criticado no meu segundo livro, “O Alquimista”. Ele foi ignorado. Quando lancei o terceiro, “Brida”, eu já tinha vendido meio milhão de livros. Aí levei aquele pau coletivo em todos os jornais e revistas. A primeira crítica foi no jornal Estadão. Um cara chamado Hamilton Santos. Nunca me esqueci. Depois, até nos encontramos. Não tenho esse problema. Eu fiquei um pouco surpreso: por que estavam criticando? Depois, eu me disse: quer saber de uma coisa, isso não tem a menor relevância, pois não estou escrevendo para agradar a crítica. Aí está a armadilha. Muitos autores, depois de criticados pelo sucesso, escrevem na tentação de agradar a crítica. Perdem os leitores e não agradam a crítica. Bob Dilan andou falando que foi criticado. Por que as pessoas o odeiam, etc? Nunca podia imaginar que Bob Dilan fosse criticado. Ele não se deixou paralisar por isso. Ninguém se deixa.

CS – Por que os autores mais admirados pela crítica, no Brasil, permanecem desconhecidos do público?

Paulo Coelho – Ninguém lê crítica. Só o autor e os outros críticos. Vejo réplicas à crítica. Nada é pior que fazer isso, visto que ninguém leu a crítica. Vai ler o autor e descobrir que ele foi criticado. A incapacidade de crítica de fazer qualquer coisa é total. Se quando a mídia impressa reinava, a crítica já não tinha relevância, imagina agora, o que leva, eu não diria ao desaparecimento da literatura brasileira, mas, pelo pouco que eu leio, pois há muita coisa chata, à tentativa de reconhecimento pela crítica e de ser traduzido. Não se consegue nenhuma das duas. Eu incomodo duplamente sobretudo porque sou traduzido no mundo inteiro. Foi feita uma pesquisa na Feira de Frankfurt. Existe um vídeo no youtube no qual o presidente da Feira de Frankfurt diz: “Bem-vindo, Paulo Coelho, o escritor mais famoso do mundo”. Eu sou, hoje em dia, graças a Deus, com muito orgulho e sem falsa modéstia, o escritor mais famoso do mundo. Não sou o que mais vende. A Rowling vendeu mais. O personagem dela, Harry Potter, é mais conhecido. Dan Brown parou de vender porque tentou agradar a crítica. Jostein Gaarder tentou agradar a crítica no segundo ou terceiro livro. Uma autora italiana ótima, Susana Tamaro, que fez muito sucesso no mundo com seu primeiro livro, mas não no Brasil, perdeu-se dessa mesma maneira.

CS – Como reage ainda quando se diz que foi um grande compositor, junto com Raul Seixas, mas não traduz isso nos seus livros?

Paulo Coelho – Isso é um grupinho. Até posso ler o que dizem, mas vou reagir a essas pessoas? Nada tenho a dizer a quem fala isso.

CS – Como autor que lida com o espiritual, como o religioso, com o esotérico, como vê o fundamentalismo religioso, o terrorismo, por exemplo, o praticado em nome do islamismo? Há um retorno ao religioso provocado justamente pelo relativismo?

Paulo Coelho – Há muito tempo que vejo tema do espiritual se aproximando e indo para um confronto. Não o confronto de civilizações, mas o confronto entre pessoas que, na total ausência de valores, voltam-se para o espiritual num mau sentido, o fundamentalismo, o que não é privilégio do islamismo. Peguei uma época em que havia uma guerra civil entre aspas religiosa na Irlanda do Norte, entre os católicos e os protestantes. Bobby Sands, líder católico do IRA, morreu na prisão, em greve de fome, no tempo da Margaret Thatcher. Isso não é novo. Hoje, porém, é muito mais visível. Fico aterrorizado pelo fato de que a mídia se deixou levar por isso. O Estado Islâmico, que é favor de uma volta ao tempo do começo da expansão do islamismo, manipula a mídia de uma maneira incrível. Sabe usar o gosto das pessoas pelo macabro e pelo sinistro. Faz esses vídeos muito profissionais que a mídia veicula dizendo “olha, que horror”, achando que, ao mostrar tais cenas, está combatendo o Estado Islâmico, mas, na verdade, está fazendo a maior propaganda. Não fosse assim, o Estado Islâmico não investiria nisso.

CS – Quais são os seus autores contemporâneos preferidos e lidos?

Paulo Coelho – Você me pegou. Leio tudo. Mas o que eu não tenho é livro em casa. Tenho tablets. Para que ter os livros? Para impressionar as pessoas? É meio pobre isso. Em filmes ou na casa de certas pessoas tem salas e salas cheias de livros. Não consigo entender. Para quê? A pessoa vai consultar aquilo? Se quero consultar algo, vou no google. Leio tudo. Na internet, tem uma biblioteca milhões de vezes maior do que a Biblioteca de Alexandria. Agora, o que eu releio? Borges, Henry Miller, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Lima Barreto, Aloisio de Azevedo, totalmente esquecido, o inglês William Blake, Oscar Wilde, que eu adoro. Basicamente é isso. Para terminar, eu não dou entrevistas. Partindo do princípio de que a crítica não vende livros, também a mídia, hoje, não o faz. Quem vende livros é o leitor. As redes sociais tampouco vão vender, mas, pelo menos, dizem que o livro saiu. Tenho 26 milhões de seguidores no Facebook e dez milhões no Twitter. Quando lanço um livro, só tenho de botar ali. A editora faz um e-card com a capa do livro e pronto. Aí dou uma ou outra entrevista para quem eu gostar, que é o seu caso. Esta é a primeira e única entrevista que dei neste ano fora de entrevistas sobre temas políticos que nada tem a ver com livros.

 

 

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