Entrevista comigo mesmo

Entrevista comigo mesmo

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Juremir par lui-même


Franceses têm expressões prontas para tudo. O cara é pego numa roubada e já vem a fórmula quentinha feito uma pizza: aquele para quem o escândalo chegou. O sujeito perde os perde os parafusos e sai pelado na rua: il a craqué. Sempre gostei de perfis de intelectuais com este título redondinho como uma manchete calculada: Foucault par lui-même. Foucault por ele mesmo. Como sou umbilical, megalomaníaco e tudo mais, neste começo de mais uma Feira do Livro de Porto Alegre, realizo um sonho: Juremir par lui-même. Decidi me entrevistar.

– Como tem sido a sua vida de escritor?

– Complexa, complicada e bem-sucedida. Publiquei mais de 30 livros. Ganhei um prêmio nacional, o da Bienal do Livro de Brasília, por Jango. Estive na lista dos mais vendidos do país com Getúlio. Tenho três livros traduzidos e publicados na França. Recentemente, adepto que sou das experimentações, me autopubliquei na Amazon, com o livro La Société Médiote. Chego a dar cinco palestras numa semana sobre meus livros. Modéstia à parte, História regional da infâmia é a obra mais importante publicada nas última décadas no Rio Grande do Sul. Estou em três grandes editoras: Sulina, L&PM e Record. Sou um sucesso. Comecei agora uma carreira de youtuber. Já tenho uns 170 seguidores. Te cuida, Kéfera. Estou chegando. Venho para ficar.

– Não sente constrangimento em se auto-elogiar assim?

– Nenhum. O mundo literário é um campo de batalha feito de panelinhas de amigos que se premiam num sistema de rodízio. Quanto mais ilegível o texto, mais perto estará de um prêmio. Não temos um escritor provocativo, irônico e de texto transparente como Michel Houellebecq. Achamos que literatura é fazer frases empoladas, cópias bisonhas de Guimarães Rosa. Nossos autores de textos mais limpos, como Assis Brasil, não recebem o destaque nacional à altura do que escrevem.

– Essa é a uma alfinetada nas escolhas do Prêmio Jabuti?

– Jabuti? Só conheço o prêmio Cágado. Mas não me interesso por ele. Já fui indicado duas vezes, à revelia. Se ganhasse, faria como Bob Dylan com o Nobel: ignoraria ou ficaria um tempão sem me manifestar.

– Não se trata de ressentimento?

– Sou a favor do direito ao ressentimento. Mas não é o caso. Tenho o que poucos escritores possuem neste Brasil de poucos leitores e muitos escritores: sou reconhecido na rua. As pessoas me param e dizem: “Li seus livros. Sou seu fã”. E me pedem autógrafos. Fiz lançamento no Brique da Redenção, no projeto Autor na Rua, que inventei, e vendi mais de 500 livros. Sou o Paulo Coelho de Palomas.

– Daria o Nobel a Paulo Coelho?

– Daria. Mesmo sem gostar da sua obra. Por que o gosto da maioria não pode ser contemplado? Paulo Coelho tem um talento: saber como poucos o que as pessoas querem ler. Fala mais da verdadeira vida do que a maioria dos premiados pelo Jabuti. O Nobel é só mais um prêmio.

– O Brasil tem um grande poeta vivo?

– Chico Buarque. Ferreira Gullar fez O poema sujo. Foi tudo. Augusto de Campos fez Pós-tudo. Gullar hoje é apenas um articulista conservador. Nem a cronista chega. Campos é um erudito. O maior poeta brasileiro sou eu. Quando eu lançar meu livro de poesia, o país verá.

– Isso é delírio ou ironia. Enlouqueceu?

– Ainda não. Mas defendo uma literatura irônica e delirante.

– Quais os seus projetos?

– Estou trabalhando, há dez anos, numa nova versão de meu livro sobre o Castelinho do Alto da Bronze. Há doze anos, escrevo meu livro de poesias. Fiquei quatro anos pesquisando e escrevendo Segunda-feira, 14 de maio de 1888 - a abolição na imprensa e no imaginário social (raízes do conservadorismo brasileiro). Escrevi 500 páginas depois de debulhar jornais e documentos de arquivos. Sai em 2017. Sairá também Diferença e descobrimento – O que é o imaginário? – (a hipótese do excedente de significação). Trabalho há três anos no romance A segunda vez de Quelimane a Samarcande. Fui a Quelimane, em Moçambique, ver parte do cenário do livro. Tenho muitos livros esboçados: Inferno no paraíso, Palomas, ao sul, Memórias no esquecimento, Alice em Palomas, O salvador da nação e uma pesquisa em andamento: Em comunicação com o presidente da República: laços de influência e reciprocidade no governo João Goulart. Sou um polvo.

– Tem mágoa por não ter sido escolhido patrono da Feira do Livro?

– Não. Mesmo que meus detratores não acreditem. Concorri várias vezes por vaidade. Todos os que receberam mereciam mais do que eu. Aí percebi que não poderia querer ser patrono antes de Sérgio Faraco e até de Luiz de Miranda, que não é escolhido por ser considerado chato ou por não ser amado pelos modernos que ditam a lei. Aceito prêmios e homenagens, mas não me disponho a concorrer. Depois dos 70 anos, talvez aceite ser senador para melhorar a minha aposentadoria.

– O que responde aos que se compadecem e lamentam por não ser escolhido patrono?

– Deixem de ser malas.

– O que faz de melhor hoje no jornalismo?

– Tudo. Minha coluna no Correio do Povo, O programa Esfera Pública, na Rádio Guaíba, com Taline Oppitz, e o Caderno de Sábado, com Luiz Gonzaga Lopes, que é o melhor suplemento cultural do país e não perde em coisa alguma para o antigo CS que encantou toda uma geração.

– Não teme ser chamado de arrogante?

– Eu gosto. Arrogante, doce, petralha, gênio, imbecil e incontornável. Foi o que me disse uma velhinha na descida do ônibus. Aproveito para fazer um convite: neste domingo, 17 horas, na Feira, autografo meu livro Corruptos de estimação. Sorrirei para quem for.

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