Entrevistas: Sidney Sheldon e suas histórias

Entrevistas: Sidney Sheldon e suas histórias

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Um alegre contador de histórias


Simpático e alegre, Sidney Sheldon desembarcou em Porto Alegre, em 21 de novembro de 1990, aos 73 anos, para o lançamento de seu livro Lembranças da Meia-Noite, publicado no Brasil pela editora Record. Em companhia da mulher, Alexandra, o autor de O Outro Lado da Meia-Noite, A Outra Face, Um Estranho no Espelho, A Ira dos Anjos, Se Houver Amanhã, Um Capricho dos Deuses e Areias do Tempo, entre outras obras, desviou-se das polêmicas sobre a qualidade dos best-sellers e apresentou-se como "um simples contador de histórias". Sheldon criou para a televisão as séries Casal 20 e Jeannie é um Gênio.

JMS – Com um padrão único quanto à estrutura de texto, o senhor trabalha a partir de uma fórmula que se tomou consagrada?


Sidney Sheldon -Não. Isso não me interessa. Parto sempre de um personagem, jamais de urna trama estabelecida, mesmo que seja uma intriga. Penso o personagem e, então, dito para a secretária. Quando começo a falar, a história sai. Levo em torno de dois anos e meio para acabar. Poderia, se quisesse, fazer dois livros por ano. Prefiro, ao contrário, cuidar muito bem; cada trabalho, sem pressa.


Há uma preocupação ideológica explícita de sua parte no sentido de construir histórias e personagens que reproduzam o imaginário da ascensão social através do esforço pessoal?


S. S. .Nem sempre. Um Capricho dos Deuses foi sobre política, mas, em geral, trato de aventuras. Nada acontece de repente. Entendo que tudo se faz ao longo de muitos anos.


Muitos dos seus personagens, inclusive Constantin Demiris, de Lembranças da Meia-Noite, saem do nada, da pobreza absoluta, para a glória, o sucesso e a riqueza. transparecendo algo do self-made man norte-americano. Por quê?


S. S. .Nasci em uma família pobre. Conheço esses aspectos. Trabalhei como lanterninha de cinema, vendi sapatos para senhoras, fui empregado de uma fábrica. Portanto, tem realmente algo a ver com o self-made man. Eu me coloco um pouco nos livros. Existe algo de autobiográfico.


As suas obras refletem sempre intrigas em tomo do poder, do dinheiro, do sexo e da morte. Trata-se da condensação de uma visão de mundo ?


S. S. .Não. Escrevo sobre outras pessoas. Conheço homens bons, honestos, poderosos e maus. Falo do universo humano. Não posso agradar a todos. Tento chamar a atenção dos leitores através de assuntos que possam interessar a eles, que são professores, estudantes, empresários, prostitutas, caminhoneiros, donas-de-casa e até mesmo a esposa do presidente George Bush. Se realmente eu quisesse satisfazer um cientista na Finlândia e um caminhoneiro na África, desagradaria a todos. Não tento. Já vendi 50 milhões de exemplares em todo o mundo. Pego o personagem e fico polindo-o. Trabalhei uma advogada criminal. Em outro livro, preferi uma embaixatriz.


Há verossimilhança em personagens pobres que se envolvem ( o motorista particular com a madame, mulher de um multimilionário) frequentemente com os representantes das classes mais ricas ?


S. S. .Enquanto produzia o filme O Outro Lado da Meia-Noite, recebi um telefonema da família de Aristóteles Onassis. Queriam conversar comigo. Saí da Paramount e fui ver de que se tratava. A senhora Onassis tinha lido o meu livro e queria saber se o personagem, Demiris, era inspirado no seu marido. Onassis estava furioso só de pensar nisso. Fiquei indignado com a especulação. Respondi: claro que não, trata-se de uma coincidência. Demiris é apenas (como Qnassis) um grego, o homem mais rico do mundo, dono de uma companhia de aviões, proprietário de poços de Petróleo e outras coisas. Imaginem! O diálogo evoluiu para outro rumo. Soube que Onassis gostava de atuar como ator. Convidei-o para o filme. Mas ele morreu duas semanas depois. Somente mais uma vez parti de alguém concretamente para elaborar um personagem. Foi em A Herdeira.


Como é a sua relação com os intelectuais nos Estados Unidos ?


S. S. .É boa. Tenho amigos intelectuais. Groucho Marx foi meu grande amigo. Certa vez, resolvemos jantar juntos. Nossas esposas não podiam participar, pois tinham outros compromissos. Acertamos fazer tudo sozinhos. Groucho me perguntou: "Que roupa quer que eu vista?” Qualquer uma, respondi. Vamos a um restaurante. Quando cheguei na casa dele, Groucho me recebeu vestindo a saia, a blusa, os sapatos e o chapéu da mulher. Muito engraçado. Em seguida, sem que me desse tempo para mais nada, tocaram a campainha. Ele tinha esquecido que acertara uma entrevista com os jornalistas da CBS. Foi uma Surpresa para todos. Groucho ficou como estava. Depois da entrevista, quando os visitantes foram embora, ele se trocou para sairmos. Outra dele: havia num hotel de Nova Iorque uma convenção de padres. Ele se encontrou no elevador com alguns dos religiosos: "Você não é Groucho Marx?", exclamou um padre, "minha mãe o adora." "Não sabia que vocês tinham mãe", foi a resposta desconcertante.


Os intelectuais criticam os autores de best-sellers. Cobram falta de conteúdo, superficialidade, mercantilismo e baixa qualidade literária. Além disso, as mensagens serviriam à adaptação dos homens ao sistema capitalista, estimulando-os a pensar que obterão vitórias em realidade impossíveis.


S. S. .Quero contar uma hist6ria e o faço. Nada mais. Não me importa se vai dar dinheiro. Acho que neste país, mais do que na América, não se pensa muito nos intelectuais. Acho ridícula essa hipótese dos meus livros favorecerem o capitalismo. Não escrevo contra ou a favor de nada, mas sobre pessoas. Neste mundo em que já temos tantos problemas, entendo que se for possível gerar momentos, horas ou dias de esquecimento, isso é maravilhoso. Não vejo razão para insistir no sofrimento se se pode dar um pouco de paz e descanso. Não sou um intelectual. Sinto-me relacionado com aqueles homens das cavernas que ficam contando hist6rias. É só.


A preocupação formal não é nítida em seus livros. Trata-se de um mecanismo de simplicidade para atingir mais leitores, em favor do conteúdo ?


"


S. S. - Como disse, gosto de contar histórias. Pouco me importa se isso vai atingir um número maior ou menor de pessoas.


O senhor tem ambições ou sonhos de alcançar honrarias como o prêmio Nobel de literatura?


S. S. - Evidentemente. É claro que eu gostaria de ganhar .


Sobra-lhe tempo para o lazer e a leitura?


S. S. - Meu lazer é escrever. Trabalho sete dias por semana. Quando faço um livro, não consigo ler nada, mas gosto muito de E. L. Doctorow, Robert Parker e Thomas Wolfe.


É difícil a adaptação do escritor aos esquemas da televisão e do cinema?


S. S. - A diferença entre fazer um filme e um livro está em que para o filme não é preciso descrever, não se faz necessário dizer que O líder é alto, forte e louro. Até porque pode-se pegar o Dustin Hoffmann para o papel. Na literatura, é importante mostrar como o personagem pensa, age, qual o ambiente de uma sala e por aí. Os melhores decoradores estão em Hollywood: a descrição é mesmo dispensável. O livro é mais profundo e interessante de conceber. A vantagem da televisão sobre o cinema é que o filme leva dois anos para ser feito, fica algumas semanas em cartaz e desaparece, enquanto uma série de televisão permanece em exibição durante cinco anos.


Qual o seu próximo projeto literário?


S. S. -Nunca faço declarações sobre o conteúdo do meu próximo livro para evitar que duas semanas depois as ideias apareçam utilizadas na televisão. Posso adiantar que Lembranças da Meia-Noite, Areias do Tempo e Um Estranho no Espelho serão transformados em miniséries de televisão. Em todas, serei o produtor-executivo.


Com toda essa produção, qual a sua obra que mais o satisfaz ?


S. S. – O próximo livro. Sempre o próximo livro.



O Sidney Sheldon cidadão se interessa por política? Vota nos republicanos ou nos Democratas ?


S. S. - A política me interessa. Nos Estados Unidos tudo é muito tranquilo. Vota-se com uma cédula, depois de fazer um xis no escolhido, e sempre de quatro em quatro anos. Em outros países, vota-se com um revólver.


E quanto à crise do Golfo ? Qual a postura que o presidente Bush deverá adotar em relação ao Iraque ?


S. S. - Gostaríamos que tivesse um desfecho pacífico, mas nenhum país aceitará que uma nação seja invadida por outra. Agora que temos a paz com a União Soviética, precisamos nos esforçar para alcançá-la com os demais. Saddam Hussein não passa de um maníaco.


Novembro de 1990 (O pensamento do fim do século, L&PM)


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