Espírito brasileiro: gastar mais para economizar

Espírito brasileiro: gastar mais para economizar

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A originalidade é a nossa marca.

Qualquer um sabe disso.

Organizamos uma Copa do Mundo em casa e tomamos 7 para mostrar nossa cordialidade.

Temos uma maneira muito nossa de resolver problemas.

Deixamos os europeus perplexos com nossa capacidade de inverter a ordem das coisas. Quando os europeus se defendiam no futebol, nós atacávamos. Agora que eles só atacam, vamos começar a defender. A originalidade brasileira se expressa principalmente em questões políticas e econômicas. Conta-se que o presidente Tancredo Neves, que morreu há 30 anos, antes de tomar posse, como governador de Minas Gerais teria de demitir dez mil pessoas. Ao anunciar que adotaria essa medida extrema, teria noticiado também que contrataria mil novos funcionários. Só essa segunda parte chamou a atenção da mídia. O político virou o jogo com jeitinho. A malandragem é fascinante.

Estamos em crise. Chegamos ao fundo do poço. Até os clichês estão em falta. Precisamos cortar na carne. Sempre na carne dos outros. Especialmente na carne da plebe. Economizar é a palavra de ordem na desordem reinante, essa mesma na qual a presidente da República assume ares de rainha de Inglaterra, só que com três primeiros-ministros, Michel Temer, Eduardo Cunha e Renan Calheiros, por coincidência todos do PMDB, que se queixa de ter pouco poder. A máquina pública precisa dar a sua contribuição gastando menos. Os deputados aumentam os seus salários. Diminuir despesas é fundamental. A magistratura assegura o seu direito ao auxílio-moradia. Fechar as contas é prioridade. O número de ministérios é intocável. Um ajuste fiscal se impõe. O Fundo Partidário tem um aumento de R$ 308,2 milhões em 2014 para R$ 867,5 milhões em 2015. A justificativa também é original: se não dá para alimentar os partidos com propinas de empreiteiras amigas, o Estado precisa pagar a conta dos políticos.

A equação é perfeita: se precisamos economizar, gastamos mais. Faz sentido. Precisamos de deputados, ministros e magistrados bem pagos. Se as contas não fecham, fazemos a massa, que tem pouco, contribuir com mais. Nada mais estimulante e justo. É só cortar na fartura do seguro-desemprego, no absurdo das pensões por morte e noutros incríveis privilégios dessa natureza. Só assim se consegue preservar o essencial: a intocabilidade das grandes fortunas e das heranças. Em caso de extrema necessidade, flexibiliza-se a CLT com o mecanismo modernizante da terceirização, um eufemismo para ferrar os ferrados, que só não usam ferraduras para não desperdiçar o pouco que recebem. O custo do trabalho ficará mais barato. Trabalhador custa caro. Barato mesmo é deputado, senador, ministro e desembargador.

Estamos cada vez melhores em originalidade. As campanhas políticas custam fortunas e não passam de artimanhas de marketing, o que popularmente se chama de enganação ou de “enrolation”. Uma ideia seria torná-las mais simples, verdadeiras e baratas. Outra ideia, rapidamente aprovada, é dar mais dinheiro público aos partidos para que mantenham o padrão de vida e publicidade que têm levado nos últimos anos. Coerência não nos falta. Para gastar menos, estamos convencidos disso, só tem um jeito: gastar mais com os mesmos. Uau!

Economizamos gastando mais.

Ninguém é tão original como nós.

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