Eu sou poeira cósmica
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Falar em decomposição revela uma nostalgia capaz de afastar espíritos mais novos e autodenominados abertos. Em princípio, o apocalipse não é o fim, mas o começo. Talvez eu me sinta como aquilo que somos e seremos, poeira cósmica, arranhando letras salpicadas em páginas que se eternizam em livros passageiros. Quanto exemplar que jamais foi aberto, quanta frase que nunca foi lida, quanta aposta não conferida, quanto sonho abandonado na esquina de uma conjunção adversativa! Ando pela praça como quem se espreme para entrar em túneis, sair de labirintos, saltar casas num jogo de amarelinha, capturar palavras cruzadas que se perderam em bifurcações. Sei desde muito tempo que sou um fantasma em busca de obras perdidas no sonho.
A Feira do Livro é cada vez mais metáfora de um tempo, de um espírito, de um estilo, de um modo de estar no mundo. Imagino um livro contando a história da chegada de extraterrestres a Porto Alegre. Eles descem de naves sofisticadas e parecem nossos velhos conhecidos: cães, bois, cavalos, porcos, todos falantes. Trazem seus animais de estimação: seres humanos que não falam nem escrevem. Minha mente se volatiliza. Meus olhos se escurecem. Sei que é uma distopia fraca. Não me impeço, porém, de divagar: o que seria de um mundo sem livros, sem feiras, sem esse encontro anual em torno desse totem da civilização?
Sei que civilização não é sempre sinônimo de melhor dos mundos. Nós, os civilizados, temos sabido ser bárbaros e obscurantistas. Caminho entre os estandes, folheio livros ao acaso e me sinto tocando na alma de uma época que se contorce como uma imagem na água. Aperto meus olhos contra a luz do horário de verão. De repente, eu me vejo num futuro distante como poeira de página, pó da história, vestígio de uma cultura. Estou ao lado do meu amigo Décio Freitas, à sombra dos jacarandás floridos, sentados num banco verde. Falamos de livros. A noite cai como uma pátina sobre nós. Eu pergunto ao velho causeur:
– O que era a vida?
– Escrever e ler – ele me responde sorrindo.
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Hoje, a partir 18h30, autografo na Feira do Livro de Porto Alegre “Diferença e repetição – o que é o imaginário (Sulina)”.